São Paulo, quarta-feira, 01 de setembro de 2004

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

O trapézio de Lula

SÃO PAULO - Como o emplastro anti-hipocondríaco que Brás Cubas carregava no trapézio que tinha no cérebro, Lula também pendurou na cabeça uma idéia fixa: o denuncismo da imprensa faz mal à saúde do país.
No caso do defunto autor machadiano, a invenção que ele divulgava com o propósito de "aliviar a dor da nossa melancólica humanidade" era, na verdade, movida pelo desejo de lucro e reconhecimento. Como ele próprio confessa do além: "De um lado, filantropia e lucro, de outro lado, sede de nomeada. Digamos: -amor da glória" . Estando do lado de cá, entre os mortais -e no poder-, Lula não ousaria ser tão sincero.
Anteontem à noite, ao participar de mais um convescote da mídia, prestigiando uma revista que o apóia abertamente, o presidente voltou a martelar o suposto denuncismo da imprensa, segundo ele um subproduto de interesses comerciais das empresas jornalísticas, que privilegiariam o escândalo à informação.
O argumento é cretino. Até os menos informados sabem que o jornalismo político é um produto em baixa no mercado. O leitor hoje quer saber e comprar outras coisas.
Isso, porém, é o de menos. A ofensiva do governo petista contra os "abusos da imprensa" não visa aprimorar nossa democracia nem preservar nossas instituições, mas justamente o contrário. E isso os Brás Cubas do Planalto precisam esconder em vida.
O escárnio da elite petista vai, no entanto, além. Marcelo Coelho mostrou na semana passada, na Ilustrada, que o PT herda o discurso fernando-henriquista quando fala em "governabilidade" e condena o "denuncismo". Mais ainda: o PT reciclou e aprimorou o casuísmo institucional.
Na democracia de resultados petista, é preciso enquadrar a imprensa e amarrar o Ministério Público. É mesmo chato ler no jornal que o governo federal agiu na surdina para beneficiar Marta no pagamento da dívida da Prefeitura de São Paulo. Não é lá muito confortável ver o Ministério Público remexer na sujeira ainda mal explicada do caso Santo André.


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