São Paulo, terça-feira, 01 de setembro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES


Riscos e oportunidades do pré-sal


Entre a taça e os lábios, o líquido pode derramar. As condições para a concretização das promessas são muitas


AS DESCOBERTAS de grandes reservas de petróleo e gás na chamada camada "pré-sal" tanto podem descortinar um futuro brilhante para os brasileiros quanto submeter o país a um processo de empobrecimento econômico e anomia social. Entre as descobertas e a obtenção dos benefícios, entre a taça e os lábios, o líquido pode derramar. As condições para a concretização das promessas são muitas.
A regulamentação atual do setor não é compatível com a abundância.
Ela foi concebida para a escassez, "para se achar petróleo". Por isso, tomou por base o "modelo" de concessão. Já o sistema de partilha permite a apropriação da riqueza por parte do Estado em nome da sociedade. A riqueza do petróleo é apropriada sob a forma de impostos e royalties -como, aliás, ocorre no modelo vigente.
Esse padrão de tributação pode conviver com o sistema de partilha, mas no caso brasileiro é recomendável alterá-lo: 1) a tributação deve aumentar; 2) a atual regra de distribuição dos recursos tributários obtidos com a exploração do petróleo entre União, Estados e municípios precisa ser revista.
Naturalmente, nada deve mudar quanto aos projetos já em andamento, cujos frutos de exploração pertencem às empresas detentoras das concessões, e os royalties, aos Estados já contemplados.
A concentração nas mãos da União é a condição para a universalização das políticas sociais e de investimento em infraestrutura, com regras claras destinadas a reger a utilização dessa riqueza para o desenvolvimento e o bem-estar do conjunto das regiões, dos Estados e dos municípios do país.
A avalanche de moeda estrangeira que certamente advirá da exportação de petróleo ameaça tornar incontrolável o vício nativo cevado nas delícias tão sedutoras quanto viciosas do câmbio valorizado.
A "doença holandesa" é a moléstia de uma sociedade de cigarras que passa a depender de uma dádiva natural e abandona a riqueza fruto do trabalho, da inovação tecnológica e da agregação de valor.
O ideal seria aplicar no exterior os recursos gerados pelas exportações, utilizando no âmbito doméstico tão-somente os recursos gerados nas vendas internas e os rendimentos obtidos das aplicações no estrangeiro.
Não por acaso, proliferaram os "fundos soberanos", muitos dos quais fruto da acumulação de receitas derivadas da exportação de petróleo.
As aplicações devem ser conservadoras e de longo prazo, já que se destinam a transmitir para gerações futuras uma riqueza finita que não pode beneficiar apenas a geração presente.
A aplicação dos recursos do fundo soberano no exterior será de grande valia para promover a internacionalização de empresas e bancos brasileiros. Bem conduzida, essa estratégia vai conferir ao real o status de moeda conversível, alem de obrigar os gestores a adotar estratégias de longo prazo na administração dos recursos.
A experiência recente dos fundos soberanos mostra que eles têm poder para reverter as tendências perversas dos mercados financeiros, ao promover mais investimentos nas empresas e menos traquinagens especulativas com ativos já existentes.
No âmbito doméstico, o governo brasileiro anunciou o desejo de conceder prioridade ao desenvolvimento social, sobretudo à educação e à inovação tecnológica, o que nos parece correto.
Seria igualmente importante apoiar a modernização da infraestrutura e das formas alternativas de energia renovável, alem de criar um fundo para estabilização das receitas fiscais, com o propósito de atenuar as consequências das flutuações nos preços do petróleo.
A forma institucional mais bem-sucedida de gestão da riqueza proporcionada pela exploração do petróleo é oferecida pela Noruega. Os noruegueses criaram uma empresa estatal para administrar as participações do governo nos projetos partilhados e a gestão do fundo soberano.
No Brasil, uma empresa desse tipo cumpriria essas e outras funções, tais como o planejamento do ritmo de exploração das reservas do pré-sal e a supervisão das políticas industriais e tecnológicas. Dentre os setores a serem fomentados, há que sublinhar a importância estratégica da própria indústria de bens de capital, de suprimentos e serviços que abastecem o setor de petróleo.
Enxuta em termos de pessoal e com atribuições claramente definidas, essa empresa teria capacidade para antecipar recursos no mercado de capitais e mobilizar fundos para promover a cadeia produtiva do petróleo, alem de financiar novas prospecções executadas por empresas do setor, como a Petrobras.
Essas ações oferecem ao país a oportunidade de se libertar da crônica dependência do financiamento externo e afastar os choques cambiais que de tempos em tempos constrangem a política econômica.


JULIO GOMES DE ALMEIDA , 57, economista, é consultor do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial).

LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 66, é professor titular de economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia de São Paulo (governo Quércia). É colunista do caderno Dinheiro .



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