São Paulo, sexta-feira, 01 de outubro de 2010

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RUY CASTRO

Noite de autógrafos

RIO DE JANEIRO - Escritores, principalmente de ficção, mentem muito -ou não seriam escritores de ficção. Mas ninguém mente mais que escritores em campanha de lançamento de um livro, não importa o gênero. A noite de autógrafos, por exemplo, é um terreno fértil para esse autor delirar e sair dizendo, no dia seguinte, que assinou muito mais livros do que os modestos 15 ou 20 que autografou na vida real.
Minha história favorita é a da bela romancista bissexta que, há anos, teria autografado 2.000 livros de uma sentada, em São Paulo. Já com uma certa prática na matéria e com o espírito de porco que me caracteriza, fiz os cálculos. Dois mil livros? Vamos supor que a autora tenha recebido cada leitor à mesa, aceitado o seu beijo, trocado com ele uma única e simpática frase, deixado fotografar-se abraçada ao dito, escrito algo bem simples, assinado, devolvido o livro, aceitado outro beijo e dito tchau -e tudo isso em 1 minuto cravado.
Significa que os 2.000 livros lhe terão tomado 2.000 minutos. Significa também que a autora ficou sentada por 33 horas e 20 minutos, assinando sem parar nem mesmo para tomar um gole de prosecco, roer um amendoim ou dar um pulinho lá dentro. Nem os megassellers americanos que aportam aqui e carimbam os livros em vez de assiná-los conseguiriam tal proeza.
Em meio à sessão, o autor mais consciencioso dá uma espiada na fila, constata que ela está muito comprida e tenta apressar o processo, para que seus leitores idosos não morram de velhice antes de chegar a ele. Mas nem sempre é possível, porque quem vai a tais eventos quer mais que um autógrafo -quer também trocar uma palavra com o autor e sentir, ao vivo, se ele se parece com o que escreve.
É um momento bonito, esse encontro do escritor com seus leitores. E não importa que tenha sido uma noite de 15 ou 20 autógrafos -ou de imaginários 2.000.


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