São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2004

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JOÃO SAYAD

Desenvolvimento desequilibrado

A administração Bush recuperou o crescimento da economia americana com uma redução injusta de impostos e aumento do déficit público. Em conseqüência, os Estados Unidos estão importando mais do que exportam e acumulam dívida externa cada vez maior. O dólar desvalorizou-se em relação ao euro.
China e Japão compram dólares para evitar a valorização de suas moedas. Defendem as exportações e o crescimento. A China já tem reservas de US$ 500 bilhões.
A América Latina retoma o crescimento. Cresce agora com saldos positivos no balanço de transações correntes. Muitos países da região antecipam pagamentos da dívida externa. Preferem financiar-se em moeda nacional. Aproveitam o momento para se proteger contra o efeito das crises cambiais que impediram o crescimento da região por tanto tempo e tantas vezes.
O Brasil cresce às taxas médias da região. Mas as altas taxas de juros brasileiras inibem o crescimento do crédito em reais e incentivam o crédito em dólares. Não aproveitamos o período de bonança para acumular reservas. Se a economia mudar depois das eleições americanas, perdemos a oportunidade.
Os desequilíbrios público e externo dos Estados Unidos não deveriam ser criticados por serem desequilíbrios. Nem os chineses devem ser criticados porque acumulam montanhas de papel verde em troca do suor dos seus trabalhadores. Crescimento é desequilíbrio. A política norte-americana pode ser criticada apenas por produzir um desequilíbrio que talvez não dure muito tempo.
O discurso contemporâneo a favor do desenvolvimento equilibrado baseia-se na experiência particular da economia mundial depois da Segunda Guerra. Entre 1945 e 1980, a economia mundial cresceu a taxas constantes, participação estável do trabalho e do capital na renda e baixo desemprego. O pesadelo da crise de 30 e da ameaça marxista de crise final do capitalismo estavam afastados.
Na realidade, a história da economia capitalista é marcada por crises e períodos muito diferentes. Os 30 anos de rápido crescimento do pós-Guerra, que inspiraram a idéia de desenvolvimento equilibrado, são apenas um intervalo. Assim como os anos dourados do padrão-ouro antes da Primeira Guerra, marcados pela deflação. Entre as duas guerras, o mundo viveu várias crises de hiperinflação e a crise de 1929. Os últimos 20 anos de globalização financeira são anos de estabilidade ou deflação, desemprego elevado e uma fieira de crises financeiras internacionais.
A realidade é mais rica e surpreendente do que qualquer dos esquemas que a descrevem. Dogmatismo é a substituição total da realidade por um esquema que a representa. O desenvolvimento real é sustentado por desequilíbrios que geram outros desequilíbrios.
Se o desenvolvimento sustentado fosse equilibrado, os adultos seriam apenas o resultado da ampliação das proporções infantis. O Brasil de 2006 seria um Brasil igual ao de 1870 com 170 milhões de habitantes. No lugar do café, a soja. No lugar dos escravos, trabalhadores bem empregados. Quem não couber no modelo ficará excluído.


João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.

@ - jsayad@attglobal.net


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