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GUSTAVO FRANCO
Keynes é nosso
HÁ MUITA GENTE celebrando o fim do capitalismo, ou
do neoliberalismo, os termos são usados como sinônimos.
Mas é verdade também que todos os celebrantes estão com muito medo, por causa de ao menos
uma de três razões: não têm idéia
do que está se passando, não sabem
o que vem "depois" e, como as pessoas comuns, têm dúvidas sobre
suas poupanças, sua aposentadoria, essas coisas materiais que afetam até mesmo os grandes poetas.
Embora a atmosfera esteja carregada demais para vaticínios, parece razoável supor que o capitalismo não vá acabar. E mais: como
disse recentemente Paul Samuelson, a economia de mercado tem
cerca de mil anos de serviços prestados, ao passo que os experimentos sob os auspícios de Marx, Lênin, Stálin, Fidel, Chávez são nada
menos do que trágicos. Tal como a
democracia, o capitalismo tem
muitos defeitos, mas bate a concorrência por ampla margem.
Vale lembrar que as crises financeiras existem desde sempre, e que
invariavelmente são combatidas
por intervenções salvadoras dos
governos, que terminam fazendo o
sistema mais robusto. John Maynard Keynes, tão lembrado recentemente, foi um dos heróis na vitória sobre uma grande crise e estava
muito longe de ser hostil ao que hoje se chama de neoliberalismo.
Muito ao contrário, desprezava os
heterodoxos e dizia que a luta de
classes sempre o encontraria ao lado da burguesia educada.
Na verdade, para os que acreditam em mercados e no capitalismo,
o pragmatismo se chama Keynes. É
dele que as pessoas falam quando é
preciso inovar e produzir uma
"resposta criadora" diante de uma
urgência grave e inesperada. Podiam invocar também Schumpeter, a quem pertence esta linguagem, mas dá no mesmo. Ambos
eram homens do sistema, e não
"rebeldes".
O fato é que, na presença de crises bancárias, sempre há intervenção governamental, e não é preciso
ir longe para atestar: aqui mesmo,
durante uma época que se dizia haver um "interlúdio neoliberal", entre 1995 e 1998, o Banco Central do
Brasil fez cerca de 80 intervenções
em bancos, metade no contexto de
regimes especiais, o resto no contexto de mudanças de controle
acionário com variado grau de incentivo ou empurrão.
Graças a estas intervenções não
tivemos crise bancária na ocasião,
e chegamos a este momento com o
sistema em excelentes condições.
Fica-se com a impressão de que
"intervenções do Estado no domínio econômico" têm mais chances
de funcionar quando feitas por
gente que acredita em mercados e
que vê a intervenção como exceção, não como regra.
gh.franco@uol.com.br
GUSTAVO FRANCO escreve aos sábados nesta
coluna.
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