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TENDÊNCIAS/DEBATES
É positiva a proposta para a 28ª Bienal de SP, que prevê, entre outras coisas, um andar vazio?
SIM
Temos que enfrentar o horror ao vazio
IVO MESQUITA
"Estragon: We are numbed" (S. Beckett, "Waiting for Godot", 1955)*
O PROJETO proposto para a 28ª
Bienal de São Paulo, diferentemente do que parece ter sido a
compreensão geral da mídia, não tem
como tema o vazio nem quer fazer dele objeto de um espetáculo curatorial
arrogante, narcisista e frívolo. O que
ele põe em questão, problematizando, não é a arte ou a produção artística
diretamente, mas, sim, o sistema e a
economia das bienais, que se nutrem
delas, e toma a Bienal de São Paulo
como caso para observação e análise.
Assim, a 28ª BSP se articulará a
partir de quatro componentes: biblioteca, arquivo e website sobre as bienais no circuito artístico contemporâneo, organizados a partir de documentos no arquivo Wanda Svevo da
Fundação Bienal de São Paulo (seu
único patrimônio, a memória), provendo suporte ao ciclo de conferências; uma praça, passagem livre com a
cidade, lugar para acontecimentos e
construção do social, marcando uma
abertura da instituição às energias
que vêm do seu entorno; entre eles, o
segundo andar do pavilhão, totalmente aberto, materializando o gesto
de suspensão da mostra e a busca por
novos conteúdos e configurações; e,
por fim, publicações que sistematizarão idéias e trabalhos desenvolvidos.
Com exceção do segundo andar, todos os demais espaços terão trabalhos
e intervenções de artistas convidados. Portanto, haverá bastante para
ver e pensar, só que não no formato
tradicional de uma exposição. Aprendemos com a arte que tudo pode ser
diferente. Questão de experimentar.
É importante que também seja percebido que a divisão dos espaços conforme proposto pelo projeto, um intervalo entre dois campos de energia
(a praça -a intuição e os sentidos; a
biblioteca -a razão organizadora), é
um gesto simbólico, radical, mas necessário ao exercício da criatividade e
da imaginação. Esse gesto toma o espaço em sua estrutura como o lugar
onde as coisas são em potência, um
devir pleno e ativo, ao contrário de algo niilista, onde as coisas deixam de
ser e perdem o sentido.
É ali, no território do suposto vazio,
que a intuição e a razão encontram
solo propício para fazer emergir as
potências da invenção, abrindo múltiplas possibilidades para ser cruzado. Faz um corte, suspendendo o processo voraz de produção e consumo
de representações, para problematizar o possível esgotamento dos diversos discursos no território da instituição. O corte aqui quer aguçar a crise
da organização, do modelo, do sistema, e não recalcá-los com mais uma
exposição.
A proposta para a 28ª BSP é suspender a mecânica das sucessivas bienais desde 1951 para considerar o descompasso entre o modelo atual da
mostra e a realidade em que ela se inscreve, seja local, seja internacionalmente. Um processo de análise da sua
condição presente poderá apontar
perspectivas para uma nova etapa do
seu programa diante dos desafios do
século 21. O objetivo é colocar a Bienal de São Paulo novamente "em vivo
contato" com a sua história, a sua cidade, os seus pares e o seu tempo.
O meu compromisso, e o do projeto, é com a instituição e o valioso serviço que ela tem prestado à cidade, ao
país e à arte contemporânea.
Na Bienal, aprendi a história dessa
arte e os princípios da minha profissão. É por acreditar que ela, ante uma
crise vocacional quase endêmica
(sem espaço aqui para explicar como
e por que) e que, por ter lastro de trabalho feito e história construída, merece o investimento na busca de novas possibilidades para a instituição.
Afinal, se hoje temos um circuito
artístico mais profissional e qualificado que em 1951, a Bienal de São Paulo
muito contribuiu para que chegássemos aqui. Portanto, se quisermos que
nossas instituições artísticas e culturais atendam aos serviços que, acreditamos, elas devem oferecer, é nossa
responsabilidade brigar por isso.
A polêmica inicial revelou a capacidade de mobilização em torno da Bienal e o lugar que ela ocupa no imaginário da cidade. Começamos bem.
Mas devemos abandonar, temporariamente, nossas origens intelectuais
no barroco e seu "horror vacuii" e encarar o fato de que há, sim, um vazio,
mas ele não está apenas na Bienal de
São Paulo.
IVO MESQUITA, curador-chefe da Pinacoteca do Estado,
está curador da 28ª Bienal de São Paulo.
* "Estamos entorpecidos" ("Esperando Godot")
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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