São Paulo, sábado, 01 de dezembro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

É positiva a proposta para a 28ª Bienal de SP, que prevê, entre outras coisas, um andar vazio?

SIM

Temos que enfrentar o horror ao vazio

IVO MESQUITA

"Estragon: We are numbed" (S. Beckett, "Waiting for Godot", 1955)*

O PROJETO proposto para a 28ª Bienal de São Paulo, diferentemente do que parece ter sido a compreensão geral da mídia, não tem como tema o vazio nem quer fazer dele objeto de um espetáculo curatorial arrogante, narcisista e frívolo. O que ele põe em questão, problematizando, não é a arte ou a produção artística diretamente, mas, sim, o sistema e a economia das bienais, que se nutrem delas, e toma a Bienal de São Paulo como caso para observação e análise.
Assim, a 28ª BSP se articulará a partir de quatro componentes: biblioteca, arquivo e website sobre as bienais no circuito artístico contemporâneo, organizados a partir de documentos no arquivo Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo (seu único patrimônio, a memória), provendo suporte ao ciclo de conferências; uma praça, passagem livre com a cidade, lugar para acontecimentos e construção do social, marcando uma abertura da instituição às energias que vêm do seu entorno; entre eles, o segundo andar do pavilhão, totalmente aberto, materializando o gesto de suspensão da mostra e a busca por novos conteúdos e configurações; e, por fim, publicações que sistematizarão idéias e trabalhos desenvolvidos.
Com exceção do segundo andar, todos os demais espaços terão trabalhos e intervenções de artistas convidados. Portanto, haverá bastante para ver e pensar, só que não no formato tradicional de uma exposição. Aprendemos com a arte que tudo pode ser diferente. Questão de experimentar.
É importante que também seja percebido que a divisão dos espaços conforme proposto pelo projeto, um intervalo entre dois campos de energia (a praça -a intuição e os sentidos; a biblioteca -a razão organizadora), é um gesto simbólico, radical, mas necessário ao exercício da criatividade e da imaginação. Esse gesto toma o espaço em sua estrutura como o lugar onde as coisas são em potência, um devir pleno e ativo, ao contrário de algo niilista, onde as coisas deixam de ser e perdem o sentido.
É ali, no território do suposto vazio, que a intuição e a razão encontram solo propício para fazer emergir as potências da invenção, abrindo múltiplas possibilidades para ser cruzado. Faz um corte, suspendendo o processo voraz de produção e consumo de representações, para problematizar o possível esgotamento dos diversos discursos no território da instituição. O corte aqui quer aguçar a crise da organização, do modelo, do sistema, e não recalcá-los com mais uma exposição.
A proposta para a 28ª BSP é suspender a mecânica das sucessivas bienais desde 1951 para considerar o descompasso entre o modelo atual da mostra e a realidade em que ela se inscreve, seja local, seja internacionalmente. Um processo de análise da sua condição presente poderá apontar perspectivas para uma nova etapa do seu programa diante dos desafios do século 21. O objetivo é colocar a Bienal de São Paulo novamente "em vivo contato" com a sua história, a sua cidade, os seus pares e o seu tempo. O meu compromisso, e o do projeto, é com a instituição e o valioso serviço que ela tem prestado à cidade, ao país e à arte contemporânea.
Na Bienal, aprendi a história dessa arte e os princípios da minha profissão. É por acreditar que ela, ante uma crise vocacional quase endêmica (sem espaço aqui para explicar como e por que) e que, por ter lastro de trabalho feito e história construída, merece o investimento na busca de novas possibilidades para a instituição.
Afinal, se hoje temos um circuito artístico mais profissional e qualificado que em 1951, a Bienal de São Paulo muito contribuiu para que chegássemos aqui. Portanto, se quisermos que nossas instituições artísticas e culturais atendam aos serviços que, acreditamos, elas devem oferecer, é nossa responsabilidade brigar por isso.
A polêmica inicial revelou a capacidade de mobilização em torno da Bienal e o lugar que ela ocupa no imaginário da cidade. Começamos bem.
Mas devemos abandonar, temporariamente, nossas origens intelectuais no barroco e seu "horror vacuii" e encarar o fato de que há, sim, um vazio, mas ele não está apenas na Bienal de São Paulo.


IVO MESQUITA, curador-chefe da Pinacoteca do Estado, está curador da 28ª Bienal de São Paulo.

* "Estamos entorpecidos" ("Esperando Godot")

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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