São Paulo, terça-feira, 02 de janeiro de 2007

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Outra globalização

A ASCENSÃO do Brasil, como a de qualquer grande nação portadora de mensagem para a humanidade, deve vir acompanhada de uma idéia de como se deve organizar o mundo. Não nos obriguemos a escolher entre aceitar e combater aquilo que se convencionou chamar globalização. Precisamos de uma globalização diferente.
Tradicionalmente, nossa diplomacia se deixa vidrar em reivindicações específicas, como a superação do protecionismo agrícola. Livremo-nos desse pragmatismo anti-pragmático: os interesses dividem e afastam quando não defendidos no bojo de uma visão abrangente e magnânima. Quatro teses definem a parte dessa outra globalização que tem a ver com a economia mundial.
A primeira tese é que o princípio a nortear as relações econômicas entre os países não deve ser a maximização do livre comércio. Deve ser a reconciliação de estratégias diferentes de desenvolvimento dentro de uma economia mundial que se vai abrindo progressivamente.
A segunda tese é não permitir que a abertura econômica sirva de pretexto para impor determinada espécie da economia de mercado. Por exemplo, o que se insiste em proibir como subsídio pode ser parte de esforço para criar novos tipos de mercados, acessíveis a mais gente. A história mostra: sempre que se quer tornar a economia de mercado mais includente socialmente é preciso inovar nas instituições econômicas. Que as regras do comércio internacional não atrapalhem.
A terceira tese é rejeitar uma globalização que assegure plena liberdade de movimento para as coisas e para o dinheiro e pouca liberdade de movimento para as pessoas e para as idéias. Esta liberdade há de avançar, em passos seguidos, junto com aquela.
A quarta tese é construir a economia mundial sobre a base do trabalho livre, não de um assalariado que pouco difira da escravidão. A aceitação por países em desenvolvimento de padrões de valorização do trabalhador e de seus direitos deve ter duas contrapartidas: o maior acesso aos mercados dos países ricos e a revisão de um regime de propriedade intelectual que restringe o potencial produtivo das inovações tecnológicas e científicas.
Com suas vastas dimensões, suas democracias vibrantes, embora falhas, e seus anseios de libertação social, o Brasil e a Índia são hoje os países em melhores condições para tomar a vanguarda dessa luta. Projeto interno forte e projeto externo forte precisam um do outro. E ambos precisam de menos mediocridade e de mais imaginação.


www.robertounger.net

ROBERTO MANGABEIRA UNGER
escreve às terças-feiras nesta coluna.


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