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RUY CASTRO
O carrasco e a vítima
RIO DE JANEIRO - Maracanã,
1950. Aos 20 minutos do 2º tempo,
o ponta uruguaio Gigghia avançou
pela direita, driblou o lateral Bigode
e, diante do zagueiro Juvenal, que
se deslocara para combatê-lo, cruzou para seu companheiro Schiaffino. Este recebeu livre no centro da
área e fuzilou o goleiro Barbosa,
empatando para o Uruguai. O 1x1
abalou os quase 200 mil torcedores,
mas, com aquele resultado, o Brasil
ainda seria campeão do mundo.
Aos 34 minutos, repete-se o lance. Só que, desta vez, Juvenal guarda sua posição para não deixar
Schiaffino livre. Gigghia, então, em
vez de cruzar, atira a gol e a bola penetra entre Barbosa e a trave -2x1,
silêncio no Maracanã, Uruguai
campeão.
Na terça-feira última, Gigghia, 83
anos, gravou seus pés em cimento
para a Calçada da Fama do Maracanã. Já são 59 anos desde aquela tarde em que suas arrancadas pela
ponta levaram tantos brasileiros ao
desespero -e, desde então, o Brasil
cansou de ganhar a Copa-, mas não
sei de outro país ou povo que prestasse tal homenagem a seu carrasco. Nem Gigghia, em lágrimas, esperava por isso.
Em compensação, há dois meses,
uma das vítimas daquela história,
Juvenal, foi enterrado no cemitério
de Camaçari, em Salvador, na presença de meia dúzia. Tinha 86 anos,
dos quais os últimos foram muito
tristes: pobre, quase esquecido, numa casinha de 10 m2, sem poder andar, com artrose nos joelhos e quadris, e ligado ao mundo apenas por
um rádio.
Marcia Turvão, a bondade em
pessoa, minha amiga e de Juvenal,
tentou vestir seu caixão com uma
bandeira do Brasil, do Flamengo ou
do Bahia, cores que ele defendeu.
Mas era véspera de feriado e, quando Marcia conseguiu achar uma
bandeira e voltar ao cemitério, Juvenal já fora sepultado. Mais um
desencontro do destino entre ele e
Gigghia.
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