São Paulo, sexta-feira, 02 de fevereiro de 2007

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Medo de crescer

BC fala em demanda "robusta", diagnóstico exagerado que limita corte de juros, fortalece o real e subtrai vigor do PIB

A DECISÃO do Banco Central de reduzir a taxa básica de juros em apenas 0,25 ponto percentual, na semana passada, foi recebida com compreensível decepção por muitos analistas e representantes do setor produtivo.
Os vários elementos que condicionam as perspectivas da inflação apontavam para a plena viabilidade, do ponto de vista técnico, de uma redução de juros mais pronunciada. Tanto o comportamento recente dos preços como a evolução das expectativas a respeito de sua trajetória futura eram favoráveis.
Por isso mesmo havia analistas que, a despeito da extrema cautela antiinflacionária que vem caracterizando a atuação do BC, previam uma redução de meio ponto percentual -de dimensão equivalente à dos cortes determinados nas cinco reuniões anteriores do Comitê de Política Monetária (Copom).
A decepção foi reforçada ontem, com a divulgação da ata da reunião, em que foram apresentadas justificativas mais detalhadas para a decisão de reduzir o ritmo de corte da taxa Selic.
As mudanças mais importantes na redação do documento - comparativamente às atas das reuniões anteriores do Copom- concentraram-se na caracterização do quadro atual e prospectivo da atividade econômica.
O BC passou a falar, por exemplo, numa tendência de "aceleração" da produção da indústria em 2007, quando antes mencionava apenas que a expansão fabril deveria "continuar". Além disso, o documento apresenta a avaliação de que a demanda doméstica se encontra "aquecida" e "em expansão robusta".
Assim, se antes o BC considerava baixa a probabilidade de que o ritmo da atividade econômica viesse a gerar pressões significativas sobre a inflação, agora ele afirma que essa probabilidade ainda não parece elevada.
Uma avaliação mais realista indicaria que esse risco é desprezível. O ritmo de expansão da demanda doméstica está próximo de 4% ao ano- ritmo que fica longe de "robusto", se se leva em conta que nos demais países emergentes ele se mantém perto de 7%. E as condições são muito propícias para que eventuais carências de oferta sejam supridas por importações, evitando-se pressões sobre os preços.
O excesso de cautela em que o BC persiste tem efeitos adversos importantes. Os setores endividados (com destaque para o poder público) são onerados desnecessariamente, e tira-se pouco proveito de uma maré global excepcionalmente favorável.
A combinação entre bonança externa -reforçada por novas evidências de que os riscos inflacionários nos EUA se diluem- e juros domésticos elevados reforça a tendência de alta do real. Trata-se de fator que corrói a capacidade da indústria instalada no Brasil de competir, rebaixando as perspectivas de crescimento da economia em médio prazo.
Não foi por acaso, portanto, que a cotação do dólar no Brasil chegou ontem a seu menor nível em nove meses. A política econômica continua devendo uma alternativa para o arranjo debilitante de juros altos e dólar baixo.


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