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Os direitos humanos dos povos indígenas
HÉLIO BICUDO
Basta ver que uma ação em favor de uma etnia indígena já demora 24 anos e espera decisão do STF. Tal estado de coisas precisa ser enfrentado
UM FATO que ocorre periodicamente na região que abrange
os Estados do Maranhão, do
Pará, da Bahia e de Minas Gerais, onde vivem várias tribos indígenas, como Guajajara (MA), Krenak (MG) e
Xicrim (PA), precisa ser enfrentado
sem apelos a interesses políticos, tendo em vista apenas as violações a direitos dos povos indígenas que ali vivem, de trabalhadores de empresas
da região e de simples cidadãos.
Segundo informa a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), uma das empresas da região, em contrato de financiamento celebrado com o Banco
Mundial, se comprometeu a dispor
ajuda financeira para acudir aos interesses daquelas tribos no que respeita
à saúde, cuidados médicos, alimentação, educação e moradia.
Findo o contrato com o banco, a mineradora continuou a repassar recursos ao governo para que, mediante
ações da Funai e outras entidades governamentais, fossem contemplados
os direitos dos indígenas da região.
Contudo, vez por vez, esses direitos
não são atendidos, o que leva os indígenas a adotar represálias -fechamento da estrada de ferro Carajás e
invasão das instalações de empresas
da região, em especial da Vale- para
que obtenham o que lhes é devido.
Nessas oportunidades, alguma coisa se faz e os indígenas retornam aos
seus lares. São fatos que ocorrem periodicamente, com prejuízos concretos para índios, usuários da ferrovia e
trabalhadores.
Essas ocorrências, que permitem
visualizar um problema de maior amplitude, foram levadas ao conhecimento da Fundação Interamericana
de Defesa dos Direitos Humanos, que,
tendo em atenção vários estudos e relatórios de entidades não-governamentais, ingressou na Comissão Interamericana de Defesa dos Direitos
Humanos (órgão da OEA) com o pedido de audiência temática, envolvendo
todos os atores públicos e privados,
para o esclarecimento da situação geral das etnias indígenas, permitindo,
outrossim, a revelação de casos que
possam tramitar naquela comissão e,
subseqüentemente, ser apresentados
à decisão da Corte Interamericana de
Defesa dos Direitos Humanos.
É evidente que tal situação não pode perdurar, mormente quando a Funai não interage como órgão governamental e as ações do Conselho Indigenista Missionário se estiolam, inclusive, no Judiciário de primeira instância, em que, geralmente, não encontram repercussão e têm de voltar-se para os tribunais em que as causas
se eternizam. Para ter uma idéia, basta lembrar que ação em favor da etnia
pataxó hã-hã-hãe já demora 24 anos e
aguarda decisão do STF.
Esse estado de coisas precisa ser
enfrentado, de sorte a obrigar o Estado a cumprir obrigações impostas pela Constituição Federal no que respeita aos direitos dos povos indígenas, que, para obter, no mínimo que
seja, atenção, podem e cometem atos
de violência contra terceiros.
Há aqui, sem dúvida, uma dupla
violação de direitos fundamentais por
parte do Estado: diretamente, relativamente aos índios, e indiretamente,
quando estes, desesperados, partem
para a violência e violam direitos de
terceiros.
A comissão interamericana, em seu
relatório sobre a situação dos direitos
humanos no Brasil, ao tratar dos povos indígenas, após um exaustivo exame do problema, já advertia: "A situação referente aos cidadãos indígenas
do Brasil em relação à saúde, alimentação e acesso a serviços públicos é
preocupante. Os médicos denotam
condições claramente discriminatórias em relação aos padrões e serviços
da população em geral".
As recomendações da referida comissão para que se acelerasse e aprofundasse o cumprimento dos objetivos de curto e médio prazos estabelecidos no Plano Nacional de Direitos
Humanos restaram descumpridas,
em claro prejuízo na implementação
desses objetivos que incorporam, pura e simplesmente, a obediência às
normas constitucionais vigentes.
A Anistia Internacional, em seu relatório de 2003, assinala que "povos
indígenas, em vários pontos do país,
também sofreram ameaças, ataques
e, inclusive, homicídios, sobretudo
em sua luta pela terra".
Diante da apatia do Estado brasileiro, numa situação de completo abandono dos povos indígenas, só uma solução parece válida: a entrega do problema ao sistema interamericano de
direitos humanos, mediante audiência pública que deverá ter lugar em
Washington na próxima reunião ordinária da comissão interamericana,
o que irá permitir apresentação de casos emblemáticos para soluções pontuais, mediante recomendações da
comissão ou decisões da corte.
HÉLIO BICUDO, 84, advogado e jornalista, é presidente da
Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos. Foi vice-prefeito do município de São Paulo (gestão Marta Suplicy).
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