São Paulo, sábado, 02 de fevereiro de 2008

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Existe relação entre Carnaval e DST?

NÃO

Contra mitos, pesquisas

MAURO ROMERO LEAL PASSOS e WILMA NANCI CAMPOS ARZE

NA DÉCADA de 1980, afirmei que as DST (doenças sexualmente transmissíveis) eram mais freqüentes em militares, estudantes e após as festas de Carnaval. Era o que eu achava.
Após inaugurar (1983) programas de DST em Niterói, São Gonçalo e, posteriormente (1988), na UFF (Universidade Federal Fluminense), vi que, depois do Carnaval, não atendia a mais pacientes.
De colegas estrangeiros, muitas vezes ouço que as mulheres brasileiras são permissivas. Talvez a abundância de sensualidade no Carnaval aliada a campanhas para uso de preservativos nessa época, entre outras situações, reforcem o imaginário de que no Carnaval brasileiro tudo é sexo. Fora do período carnavalesco, apenas em 1º de dezembro há campanhas sobre Aids. Campanhas sobre DST e em épocas variadas ainda estão por vir.
Atuando no setor de DST da UFF, núcleo de ensino, pesquisa, atendimento público em DST e sede da revista científica "Jornal Brasileiro de DST", deixamos o "achismo" e buscamos os dados estatisticamente significantes, visto que fomos reconhecidos pelo Programa Nacional de DST e Aids como Centro Nacional de Treinamento em DST e que atendemos pelo SUS pessoas de Niterói, São Gonçalo e Rio de Janeiro.
As estatísticas sobre DST no Brasil são difíceis. Notificação compulsória só existe para sífilis congênita e sífilis na gravidez. Em 2002, publicamos artigo que analisava os diagnósticos de DST antes e depois do Carnaval. Os dados não tinham alterações importantes, mas os métodos estatísticos eram simples e passíveis de críticas.
A dissertação de mestrado intitulada "Distribuição Temporal dos Diagnósticos de Gonorréia, Sífilis e Tricomoníase em uma Clínica de DST em Niterói-RJ: o Carnaval Influencia no Aumento das DST?" foi avaliada por quatro pesquisadores/professores, que aprovaram, com rigor acadêmico, os métodos e as análises usadas. O estudo envolveu 2.646 pacientes, no período de 1993 a 2005, com diagnóstico das três DST. Na análise, observamos a média padronizada do número de atendimentos para os 13 anos e da série padronizada mês a mês e ano a ano por métodos para avaliação de sazonalidade.
Nesse período, o Carnaval foi 11 vezes em fevereiro e duas vezes em março. Não se observou maior número de casos em fevereiro-abril, época imediatamente posterior ao Carnaval, que inclui o período de incubação de três das clássicas DST curáveis. Na falta de publicações sobre o tema, não comparamos nossos resultados. Mas esse estudo servirá de base para maior conhecimento da situação.
No entanto, em trabalho com 752 foliões no Carnaval de 1997, em Rio Branco (AC), concluiu-se não haver aumento significativo da freqüência das relações sexuais no Carnaval.
Em 1993, estudo com 380 ritmistas de escola de samba de São Paulo concluiu: quem está em risco para HIV no Carnaval também está durante todo o ano. Há, ainda, publicação de 2002 relatando que as campanhas massivas de DST/Aids reforçam que o calendário é fixo e tem desatenção a outras DST, contribuindo para o imaginário da Aids no cenário do país.
Dados do SUS sobre partos e abortamentos no Brasil, Rio de Janeiro e Niterói mostram que o pico de nascimento de crianças ocorre em maio. Já o maior número de abortamentos é em outubro/novembro. Se as pessoas transam mais para contrair DST, também engravidariam mais. Como explicar esses números?
A ausência de pesquisas que comprovem que o Carnaval leva a um aumento de DST/Aids contribui para o fortalecimento do mito de que esse feriado é sinônimo de orgia geral. Mito este que não leva em conta alas das baianas, crianças, bailes em matinês, vendedores ambulantes, jornalistas, espectadores, aqueles que param para descansar... Porque, em nossa pesquisa, o Carnaval não influenciou na ocorrência de gonorréia, sífilis e tricomoníase em pacientes atendidos pela primeira vez em uma clínica de DST em Niterói, RJ.


MAURO ROMERO LEAL PASSOS é professor doutor associado do Departamento de Microbiologia e Parasitologia, do setor de DST da Universidade Federal Fluminense.
WILMA NANCI CAMPOS ARZE, médica, mestre em medicina pela UFF.

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