São Paulo, terça-feira, 02 de fevereiro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES


Paixão pelo SUS

LUIZ ROBERTO BARRADAS BARATA


Está mais do que na hora de ser promovido novo salto, quantitativo e qualitativo, na assistência em saúde oferecida pelo SUS


O MUNDO acompanhou recentemente a batalha travada pelo governo norte-americano para promover uma profunda reforma de seu sistema de saúde, que irá atender mais de 46 milhões de americanos, atualmente sem cobertura médica garantida. A ideia é estender o direito de assistência médica a esses cidadãos, como aquele garantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a todos os brasileiros.
No Brasil, a assistência médica é um direito universal há mais de duas décadas. De um sistema centralizado na atenção hospitalar e restrito aos que contribuíam com a Previdência Social, o país passou, a partir da Constituição Federal de 1988, a ter um modelo de saúde descentralizado, com forte participação social, foco na atenção primária, promoção da saúde e acesso universal e gratuito a todos os brasileiros. Uma revolução social apaixonante.
Por ocasião da implantação do SUS, houve quem classificasse como utópica a proposta dos sanitaristas brasileiros. Vinte anos depois, em São Paulo, a utopia tornou-se realidade, garantindo a todos desde o mais simples remédio para dor de cabeça até técnicas avançadas de neurocirurgia, desde consulta médica até os caríssimos medicamentos para câncer e Aids.
Os resultados alcançados pelo trabalho solidário realizado por União, Estados e municípios em prol da universalidade e da integralidade no atendimento em saúde são de domínio público: acentuada redução da mortalidade infantil (em São Paulo, o índice caiu pela metade entre 1994 e 2008); eliminação de doenças como a paralisia infantil, o sarampo, a difteria e, mais recentemente, a rubéola; e queda expressiva nos índices de morbi-mortalidade por Aids, além de aumento de quatro vezes no número de transplantes de órgãos e eliminação da fila de espera para o transplante de córnea em São Paulo.
Passada duas décadas, está mais que na hora de promover novo salto, quantitativo e qualitativo, na assistência em saúde oferecida pelo SUS aos brasileiros. E, para isso, algumas medidas são imperativas e urgentes.
Faz dez anos que a emenda constitucional nº 29, que determina o quanto cada governo deve destinar de seu orçamento para a saúde, vigora sem ser regulamentada, o que seria essencial para estabelecer o que pode ser ou não considerado gasto com saúde, assegurando que os recursos sejam, de fato, aplicados na área.
Do mesmo modo, faz-se necessário o reajuste substancial dos valores pagos pelo SUS aos hospitais públicos e privados que prestam serviços ao sistema. Hoje, boa parte dos procedimentos estão subfinanciados, como é o caso do valor pago para a realização de um parto (R$ 602), que é, em média, metade do gasto dos hospitais com o procedimento.
Nos últimos anos, o Ministério da Saúde, diante das limitações orçamentárias impostas pela equipe econômica do governo, vem promovendo alguns aumentos pontuais nos valores, porém ainda tímidos, o que castiga sobremaneira os hospitais do sistema e faz com que muitos prestadores deixem de atender a população usuária da rede pública.
É urgente promover uma integração entre as duas redes de atendimento da população brasileira: o SUS e a rede de convênios e planos de saúde. Essa integração entre os dois sistemas permitiria regularizar encaminhamentos, disciplinar competências e usar de forma mais racional e justa todos os equipamentos de saúde existentes, em prol do melhor atendimento da população.
Isso é possível: foi o que aconteceu na mais recente epidemia de gripe suína, quando um laboratório (Instituto Adolfo Lutz) e um hospital público (Emílio Ribas) se uniram com as unidades privadas de saúde para atender de forma articulada a população paulista.
Há de considerar, também, a necessidade aperfeiçoar os mecanismos de remuneração dos médicos e demais profissionais do setor público, com bonificações por mérito e desempenho, bem como expandir modelos de gestão que já demonstraram sua eficiência, como o das organizações sociais de saúde, que aliam modernas ferramentas da administração privada ao absoluto controle por parte do poder público.
O desenvolvimento do SUS foi fruto de um trabalho intenso e apaixonado. Esse esforço deve agora ser acompanhado da ampliação das fontes de financiamento e de uma boa dose de choque de gestão, de maneira que o sistema possa continuar avançando na busca de melhor qualidade de saúde e de vida para todos os brasileiros.


LUIZ ROBERTO BARRADAS BARATA, 56, médico sanitarista, é secretário de Estado da Saúde de São Paulo.

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