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CARLOS HEITOR CONY
Escombros e alegorias
RIO DE JANEIRO - Uma confusão no trânsito da cidade obrigou-me a pegar atalhos urbanos pouco freqüentados. E esbarro com monstruosos
carros alegóricos do último Carnaval, ensopados de chuva e de purpurina, alguns se desmanchando, misturando cobras, lagartos, sereias, demônios, cascatas e ninfas, num
amontoado fosforescente de cadáveres em decomposição.
Devem ter custado dinheiro e trabalho dos especialistas. Por pouco
mais de 15 minutos, deslumbraram a
multidão e entupiram as TVs, os jornais e as revistas com o chamado "esplendor e glória" do Carnaval.
Mesmo que se desconte o abandono
e a chuva, como são feios, grosseiros,
mal-acabados! (Diante do mau gosto
coletivo, apelo para o mau gosto individual do ponto de exclamação). Desarticulados de suas escolas e enredos, parecem paródias coloridas daqueles monstros que Goya fazia em
preto e branco em sua Quinta del
Sordo.
Sempre acreditei que, passado
aquilo que chamam de folia, os carros, que tanto custaram, fossem recolhidos a um santuário ou canibalizados para outros carnavais, reciclados
de uma forma ou de outra. Não compreendi o abandono. Colossos insepultos atrapalhando os caminhos da
cidade e os meus próprios caminhos,
levei o dobro do tempo para chegar
ao meu destino.
Tive vontade, mas não amaldiçoei
aqueles escombros. De certa forma,
considero-me também um escombro,
e seria natural que sentisse uma vaga
solidariedade com os monstros de papel machê e fibra de vidro bolados pelos cenógrafos carnavalescos.
Se fosse um feiticeiro de conto infantil, ou um mago como o Paulo
Coelho, jogaria em cima deles aquele
pó encantado que os tornaria eternos. Pesquisadores do futuro, tal como seus antecessores de todas as épocas, escreveriam tratados sobre o significado deles, sua importância para
a humanidade deste início de século.
Creio que fariam péssimo juízo de
nós.
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