São Paulo, domingo, 02 de março de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Eleições com a cidade limpa

GILBERTO KASSAB


Proponho que em nossa cidade todos os políticos em campanha respeitem a Lei Cidade Limpa, em nome dos avanços ambientais obtidos


A APROXIMAÇÃO da campanha para as eleições municipais de outubro coloca à reflexão dos paulistanos a questão dos limites mais convenientes à propaganda eleitoral na cidade, que está vencendo a guerra contra a poluição visual.
A Lei Cidade Limpa, uma conquista do cidadão de São Paulo, é restritiva, até radical, em contraste com a legislação eleitoral, mais liberal, que por ser de âmbito federal é, portanto, hierarquicamente superior. Do ponto de vista jurídico e institucional, não há o que discutir. Vale o que vem disposto na lei maior.
Mas será que na cidade de São Paulo, neste segundo ano de aplicação da Lei Cidade Limpa, não cabe uma discussão a esse respeito? Acho que cabe. Mais até, proponho uma atitude a ser seguida por todos os candidatos, de todos os partidos. Proponho que aqui, em nossa cidade, todos os políticos em campanha respeitem a Lei Cidade Limpa. Proponho um amplo acordo de cavalheiros civilizados, pelo qual todos os postulantes -a prefeito, vice-prefeito, vereador- abram mão das prerrogativas da lei eleitoral que superam os limites da lei municipal em nome dos avanços ambientais que a cidade já obteve.
Tenho noção de que a proposta remete, de imediato, a outra questão de prevalência: a da democracia sobre a limpeza da cidade. Lembro meu tempo de adolescente, na década de 1970, quando vivíamos sob quase absoluto silêncio imposto pela ditadura militar, quando não havia eleições diretas para prefeito em São Paulo. Assinalo que a convicção democrática repudia o retorno àquele tempo sem campanhas eleitorais eletrizantes.
Deveríamos, portanto, ser tolerantes com a poluição que caracterizou as campanhas eleitorais desde a redemocratização? Penso que não. Em nome do sentimento de cidadania, penso que será muito ruim, para a capital paulista, qualquer recuo no combate que todos nós estamos travando contra a poluição visual. Sugiro um recuo de memória até um ano atrás, quando toda a mídia externa estava sendo removida e, nos estabelecimentos comerciais, providenciava-se a adequação das placas indicativas às proporções que a Lei Cidade Limpa determinava. Vem então a imagem da cidade se despoluindo, a imagem da metrópole se livrando da propaganda selvagem que a sufocava.
Depois, nas semanas seguintes, vimos São Paulo cada vez menos poluída. Nas palavras de um iminente arquiteto, nesta Folha, a cidade "ganhou de volta sua arquitetura". Desde então, ficamos perplexos quando vamos a outras cidades e nos deparamos com uma profusão de outdoors, faixas, banners, os gigantescos letreiros luminosos. São Paulo era assim, mas se livrou.
Em sentido oposto, temos notícias constantes de pessoas que vêm a São Paulo e ficam admiradas ao constatar que os paulistanos conseguiram notável avanço no combate à poluição visual. Recebemos visitantes do interior de São Paulo, de outros Estados e até de outros países. É gente que vem a nossa cidade fotografar as ruas e avenidas sem propaganda. Procuram a prefeitura, procuram os arquitetos e urbanistas da cidade, procuram os vereadores e querem documentos, querem informações, querem seguir os passos de São Paulo.
"Non ducor, duco" -a divisa em latim no brasão de nossa cidade nos incita a liderar, a fazer justamente o que estamos fazendo no campo ambiental. Em lugar da cidade estigmatizada como uma das mais poluídas do mundo, hoje damos um norte aos que buscam a vitória contra a poluição. Já avançamos tanto nessa trilha, que o mais recomendável é seguir adiante com determinação.
Neste momento da batalha, vem a campanha eleitoral e, como afirmei inicialmente, está colocada aos paulistanos a questão dos limites mais convenientes. A legislação eleitoral exige todo o respeito, até porque veio pôr ordem nos excessos que vimos em campanhas passadas. Temos, nas posturas do Tribunal Superior Eleitoral, o sensato meio termo entre o silêncio tumular que vigorava na ditadura e o alarido ensurdecedor que vigorou até eleições recentes. Regina Monteiro, diretora de Urbanismo da Emurb, observa, aliás, que a lei federal já proíbe faixas em árvores, viadutos ou postes. Ela está encarregada de produzir uma cartilha com regras para a publicidade eleitoral em São Paulo na próxima campanha.
Para São Paulo, acho que é melhor mantermos a linha radical traçada pela Lei Cidade Limpa. Com todo o respeito que merece a legislação eleitoral, sua liberalidade significaria um retrocesso. Por isso, reitero a proposta de um acordo de cavalheiros ecologicamente conscientes e politicamente civilizados: todos fiéis aos limites da Lei Cidade Limpa. São os que seguirei se for candidato.


GILBERTO KASSAB , 47, engenheiro e economista, é o prefeito de São Paulo pelo DEM. Foi deputado federal (1999-2004) e estadual (1995-1998) e secretário municipal de Planejamento (gestão Celso Pitta).

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