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TENDÊNCIAS/DEBATES
TV digital: o que importa é o conteúdo
O debate sobre TV digital na mídia é tímido, pois tira o foco das principais questões envolvidas na implantação do sistema
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GILBERTO GIL e ORLANDO SENNA
O que importa para a sociedade
brasileira é o que a televisão digital
vai mostrar e para quem. Interessa saber se a nova tecnologia permitirá
maiores opções de escolha de programas gratuitos, se a nossa diversidade
cultural e a diversidade cultural do
mundo estarão acessíveis em todos os
lares e escolas e se toda a população
-ou que percentual dela- terá acesso
à nova maravilha da comunicação. Interessa saber a qualidade técnica da imagem e do som, mas, muito mais, o que
estará dentro desse invólucro mágico.
Os estudos de pesquisadores brasileiros no âmbito do Sistema Brasileiro de
TV Digital (SBTVD) proporcionaram
ao governo uma visão completa sobre
as muitas questões envolvidas na transição da televisão analógica para a digital.
Contudo, o debate atual na mídia tem
enfocado apenas o padrão de modulação, responsável pela transmissão e recepção dos sinais, um dos aspectos-chave de qualquer sistema de televisão digital. Discute-se se o Brasil adotará o padrão norte-americano, o padrão japonês, o padrão europeu ou mesmo uma
inovação inteiramente nacional, o Sorcer, desenvolvido na PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
É um debate tímido ao qual o governo
não se restringe. Tímido porque retira o
foco das principais questões envolvidas
na implantação da TV digital: a estruturação de uma política industrial calcada
na microeletrônica, a incorporação de
tecnologia brasileira, a otimização do
uso do espectro de radiofreqüências e a
construção de uma política para a produção e a difusão de conteúdos audiovisuais nacionais.
O espectro de radiofreqüências é um
bem público escasso, cuja utilização deve resguardar o atendimento do interesse público.
No mundo digital, não há mais sentido em falar em canais. Os mesmos 6
MHz que hoje dão vazão a uma programação de televisão no mundo analógico
possibilitará, com técnicas de compressão, que oito programações digitalizadas cheguem à casa dos telespectadores,
caso se opte pela transmissão em definição padrão. Ou possibilitará a coexistência de uma programação de alta definição e mais quatro programações em
definição padrão.
A passagem do paradigma dos canais
para o paradigma das programações
exige que se ponha na mesa uma análise
sobre o modelo de exploração da televisão digital. É uma análise, uma discussão que independe da escolha do padrão de modulação a ser adotado.
A otimização do uso do espectro abre
espaço para que novas programações
cheguem aos telespectadores. Emissoras de interesse público, hoje disponíveis apenas por assinatura, poderão
chegar à casa de milhões e milhões de
brasileiros. Assim como emissoras comunitárias, universitárias e, naturalmente, novas redes de emissoras públicas e comerciais.
Abre-se, aqui, a discussão de uma nova política pública para o audiovisual
brasileiro.
O dinamismo da indústria audiovisual, com geração de mais e melhores
empregos, depende da criação de novos
instrumentos legais para o setor, que
contemple preceitos constitucionais como o estímulo à programação regional
e à veiculação da produção independente brasileira nas emissoras públicas
e comerciais -preceitos amplamente
adotados em vários países. A regulamentação desses preceitos constitucionais assegurará a potencialização da
produção audiovisual brasileira e a expressão da diversidade cultural do país
na televisão aberta, o meio de comunicação mais acessível aos brasileiros.
A criação de novo marco regulatório
para o audiovisual e para a comunicação social brasileira envolve aspectos
políticos, econômicos e culturais que
antecedem, perpassam e acompanham
a implantação da TV digital. Trata-se de
um debate público necessário, cujos resultados são fundamentais para a cultura e a democracia brasileiras e para a
consolidação do país como grande produtor de conteúdos na era das convergências e da economia digital.
Gilberto Gil, 63, músico, é o ministro da Cultura.
Orlando Senna, 65, cineasta e escritor, é o secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura. É membro do Conselho Superior da Fundación
del Nuevo Cine Latinoamericano e professor do
Centro de Capacitación Cinematográfica do México.
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