São Paulo, domingo, 02 de maio de 2004

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Imaginação sem limites...

Foi um encontro casual. Visitávamos o amigo Honório, que convalesce de grave cirurgia.
Mantido o necessário respeito ao paciente, a conversa enveredou para amenidades. Mas a Joaninha, velha amiga de escola e que tem pimenta na língua, resolveu cutucar o outro amigo presente, o Mathias, produtor rural em São Paulo, mas que tem profundas raízes em Minas Gerais.
A chacota foi sobre o caso do mineiro que, na semana passada, em Montes Claros, tentou comprar um maço de cigarros com uma nota de R$ 3 -é isso mesmo, três reais! A Joaninha e a própria imprensa deitaram e rolaram com a gafe do espertalhão, que, diante da rejeição do comerciante, indagou:
Mas você ainda não conhece a nota de R$ 3? É o último lançamento do Banco Central!
O dono do bar pegou a nota, virou-a de um lado e de outro, colocou-a contra a luz e não teve dúvidas: chamou a polícia, o que provocou a fuga do estelionatário, visto que, tecnicamente, não pôde ser tipificado como falsário por não existir nota de R$ 3.
O Mathias não gostou da insinuação de burrice que permeou a narrativa da Joaninha, dizendo: "De duas, uma. Ou o mineiro brincou com o vendeiro ou teve alguma razão forte para o seu invento. Afinal, quem faz nota de R$ 3 pode fazer nota de R$ 100".
De fora da conversa, procurei dar uma de mediador para que o Honório não se estressasse com a rixa dos dois. Ponderei que, à distância, era difícil saber o que aconteceu. Mas a metralhadora giratória da Joaninha estava lubrificada e não tirava o Mathias do seu alvo.
Foi em meio a estocadas e flechadas que o próprio Honório, que tem uma memória de elefante, entrou na conversa para nos dar a seguinte lição: "Sabem de uma coisa? Não foi nem burrice nem esperteza. Foi confusão. Vejam bem, nos últimos 60 anos, o Brasil teve oito padrões monetários, quando as moedas foram perdendo zeros e mais zeros ao longo do caminho. Antes de 1942, falava-se em contos de réis; naquele ano, entrou o cruzeiro, com sete cédulas diferentes; em 1967, apareceu o cruzeiro novo, também com sete notas; em 1970, voltou o cruzeiro, com 14 cédulas; em 1986, nasceu o cruzado, com sete notas; em 1989, surgiu o cruzado novo, com sete cédulas; em 1990, voltou o cruzeiro, com 11 notas; em 1993, nasceu o cruzeiro real, com seis cédulas; em 1994, apareceu o real, com sete notas e, mais tarde, com oito, graças à estréia da simpática cédula de R$ 2".
"Ora, em um país que usa 74 cédulas em 60 anos", arrematou o Honório, "por que condenar um pobre coitado que, desavisado e precipitado, resolveu partir logo para a nota de R$ 3?"
Todos riram e a controvérsia acabou...


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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