São Paulo, segunda-feira, 02 de maio de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Fim de papo

ALOYSIO NUNES FERREIRA

O ex-secretário de Governo da sra. Marta Suplicy, ao debater comigo neste espaço, arvora-se dar lições de administração pública. Aproveita a ocasião para me repreender pelo uso de "ironia grosseira" e por "espancar os fatos". Com estoicismo, prometo refrear qualquer agressividade polêmica, de modo a poupar os delicados sentimentos do ex-manda-chuva e procurarei alinhar, em meu arrazoado, fatos absolutamente incontroversos.
O centro do artigo do sr. Falcão ("O risco Serra", pág. A3, 22/4) é o argumento de que a gestão passada legou-nos finanças perfeitamente saudáveis, tanto é assim que já teríamos entesourado mais de R$ 2 bilhões relativos à arrecadação do início do ano. As explicações desse "entesouramento", segundo ele, seriam a cupidez ou a avareza.
Na crítica do sr. Falcão, que pretende nos ensinar a administrar o caixa da prefeitura, podemos encontrar a verdadeira explicação do descalabro administrativo e financeiro que a gestão petista nos deixou: o desconhecimento das regras mais elementares de gestão financeira. O ex-secretário deveria saber que a arrecadação da prefeitura nos primeiros meses do ano, janeiro e fevereiro, é bem superior à média dos outros meses. Isso porque muitos contribuintes preferem pagar o seu IPTU e IPVA em parcela única, usufruindo dessa maneira de descontos. Além disso, em janeiro há maior repasse do ICMS, estadual, devido ao reflexo das vendas natalinas. Nos meses seguintes a arrecadação cai significativamente. É o que está acontecendo, por exemplo, neste ano: se em janeiro a arrecadação tributária da prefeitura foi de R$ 1,347 bilhão e, em fevereiro, de R$ 1,238 bilhão, em março já caiu para R$ 952 milhões. Em abril estimamos uma arrecadação de R$ 800 milhões, cifra que deverá se manter estável até novembro, devendo cair para R$ 700 milhões (a metade de janeiro, aproximadamente) em dezembro.
O sr. Rui Falcão pode ter se esquecido das lições de ciências das finanças da faculdade que cursamos juntos, mas certamente se lembrará da fábula de La Fontaine "A Cigarra e a Formiga": na abundância devemos poupar para amenizarmos a escassez.
Rui Falcão deveria ter presente no espírito que as despesas com a manutenção dos serviços municipais, como dos remédios, dos salários, da merenda escolar, excluindo os investimentos, ocorrem todos os meses em valores semelhantes. E que é com as receitas "extraordinárias" arrecadadas no primeiro trimestre que se garante a regularidade do pagamento dessas despesas. Foi por desconhecer (ou ter esquecido) as lições do professor Theotônio Monteiro de Barros, ou de La Fontaine, para a boa execução orçamentária que a gestão petista encerrou três dos seus quatro anos no vermelho, passando para a administração Serra uma dívida de R$ 2,152 bilhões. Agora, depois de ter colaborado para esse descalabro, o sr. Falcão vem exigir, em seu peremptório artigo, que paguemos, de uma só vez, com receita do Orçamento de 2005, essa dívida -que não deveria existir, pois corresponde a despesas que deveriam ter sido suportadas pela receita de 2004.


Atingiu-se a credibilidade do município, a base ética dos contratos. Resta-nos consertar o estrago

O cumprimento dos desígnios do sr. Falcão, da bancada petista e dos grandes credores (empreiteiros, como os do túnel Rebouças, concessionários da limpeza urbana, Eletropaulo, empresários de ônibus) a quem eles serviram no governo e continuam a servir na oposição acarretaria o ônus catastrófico da interrupção dos serviços municipais.
Longe de mim fazer pouco caso das dores de cabeça dos que, de boa-fé, firmaram contratos com a prefeitura na gestão anterior. Para muitos deles o calote tomou a forma ultrajante do cancelamento dos empenhos. Empenhar significa dar em penhor, comprometer-se. Na administração pública, empenhar significa reservar em parte, ou no todo, um determinado crédito orçamentário para fazer face a uma determinada despesa. Com base nesse penhor, nesse compromisso de que haverá recursos para o pagamento dos valores acordados, os particulares contratam com o poder público.
Pois bem, faltando três dias para o fim da gestão Marta-Ruy Falcão, a prefeitura cancelou o empenho de cerca de R$ 600 milhões, deixando os credores a ver navios. Foi mais grave do que romper contratos: rompeu-se a relação de confiança na administração, atingiu-se a credibilidade do município, a base ética dos contratos. Resta-nos consertar o estrago: estamos pagando rigorosamente em dia as contas de 2005 e lutando na Justiça para satisfazer em primeiro lugar os mais vulneráveis dos fornecedores da prefeitura, os que têm a receber até R$ 100 mil por contrato e que representam 93% do total.
Não quero gastar papel, tinta e tempo comentando fantasmagorias petistas do tipo Conselho de Representantes, impugnado pelo Ministério Público por abrigar um terço dos seus membros por indicação dos partidos políticos. Ou o Orçamento Participativo, convescotes inócuos cujas recomendações nunca saíram do papel. Eles são meros berloques ideológicos para enfeitar o duro pragmatismo de um partido que aderiu com desenvoltura espantosa ao vale-tudo da "Realpolitik" municipal.
Respeito sua honestidade pessoal e sua história de luta pela democracia e pela justiça em nosso país, mas, em matéria de gestão pública, não tomo mais conhecimento de suas homílias enquanto seus companheiros não explicarem o desastre que fabricaram no túnel da Rebouças. Fim de papo!

Aloysio Nunes Ferreira Filho, 59, advogado, deputado federal licenciado (PSDB-SP), é o secretário de Governo do município de São Paulo. Foi ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República e ministro da Justiça (governo Fernando Henrique).
@ - aloysion@uol.com.br


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