|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Imprensa e mercado
O JORNALISMO que se propõe a manter um compromisso público com a qualidade do que divulga encontra-se sob pressão num mercado invadido por empresas preocupadas com corte de custos e com lucros imediatos.
A idéia, que não é nova, foi
elaborada pelo filósofo alemão
Jürgen Habermas, um dos mais
renomados pensadores vivos, no
artigo "O Valor da Notícia", publicado no último domingo nesta
Folha. Habermas faz coro aos
que identificam, no público
atual, um interesse decrescente
por temas institucionais e uma
curiosidade intensa por celebridades e entretenimento.
Na conjugação das duas tendências, os veículos voltados ao
jornalismo "sério" estariam, na
visão do filósofo, sob grave
ameaça. Já pelos termos em que
o problema é formulado, vê-se
que Habermas endossa uma distinção demasiado estanque entre jornalismo "de qualidade" e
"de entretenimento".
Há gradações entre um modelo e outro. E, se um jornalismo
superficial, irresponsável e barato parece ganhar espaço no conjunto da mídia, por outro lado o
modelo enaltecido por Habermas é uma torre de marfim da
qual se afastam parcelas expressivas de potenciais consumidores de informação e opinião.
O verdadeiro desafio para o
jornalismo de qualidade é o de
assegurar seus compromissos
básicos (veracidade, relevância
pública dos temas e enfoques,
debate de idéias) mas ao mesmo
tempo renovar-se para cativar
leitores que também mudaram.
A vulnerabilidade maior do
texto, no entanto, está na solução sugerida. Habermas acredita
que veículos de comprovada
atuação "séria" -como julgá-lo?
quem julgaria?- devam merecer
subsídio do Estado, por representarem valores de interesse
público. Solução inusitada, que
faz pensar na estatolatria que
tantas vezes se atribuiu à mentalidade alemã.
Seria um passo temerário.
Até o mais cauteloso modelo de
canalização de fundos públicos
poderia gerar dependência dos
veículos beneficiados em relação
ao Estado, eventualmente ao governo de plantão.
A imprensa criou suas primeiras raízes na praça livre, espaço de circulação de bens e
idéias que se formou à revelia do
controle estatal. De resto, o jornalismo de qualidade já enfrentou com êxito apreciável a competição oriunda de outras ondas
de inovação tecnológica e de sedução fácil do público, a exemplo
do advento do rádio e da TV.
Texto Anterior: Editoriais: Pressão sobre Chávez Próximo Texto: Londres - Clóvis Rossi: Lasanha e dignidade Índice
|