São Paulo, segunda-feira, 02 de junho de 2008

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Pelo método confuso

Ao salpicar concessões sem nexo, estilo de fazer política de Lula torna economia vulnerável em tempos de incerteza

OS DESAFIOS postos pela conjuntura econômica à política pública são hoje de natureza distinta, e mais benigna, que os do passado. O repique da inflação e a reviravolta nas contas externas são contrapartidas de um período de expansão forte e duradoura da atividade no mundo todo. O desemprego no Brasil, para tomar a variável mais sensível, atingiu o menor nível da década e continua em ritmo de queda.
Administrar os efeitos colaterais da bonança que agora ameaçam, num ambiente internacional impregnado de incerteza, a continuidade desse ciclo não é, contudo, uma tarefa simples. Ela não será realizada pelo método que ficou célebre no governo Lula, o de salpicar concessões, com freqüência contraditórias entre si, a fim de cooptar um amplíssimo leque de grupos de interesse.
Numa rara convergência, economistas de correntes rivais puseram-se de acordo sobre a necessidade de o governo reduzir as despesas de manutenção da máquina pública e, aproveitando-se também da disparada na arrecadação tributária, aumentar sua poupança para abater dívida, o superávit fiscal. Seria a melhor maneira de ampliar a eficácia do freio que o Banco Central, por meio da elevação da taxa básica de juros, começa a aplicar sobre a demanda.
Mas a idéia que entrou cristalina na engenhoca de fazer política do governo Lula -enquanto esta produzia aumentos salariais bilionários para o funcionalismo- saiu de lá enxertada. Transformou-se no Fundo Soberano do Brasil. O resultado da enxertia é uma poupança adicional modesta (meio ponto percentual do PIB) com destinação nebulosa. Pode ser usada para comprar dólares e investir em companhias brasileiras fora do país; pode abater dívida interna. Um fundo oficialmente confuso: "híbrido", na palavra do ministro.
Afinal, Lula desejava atender em alguma medida a pressões para financiar empresários brasileiros no exterior e "capitalizar" o BNDES. Queria, igualmente, satisfazer uma obsessão do ministro da Fazenda, que pleiteava autorização para intervir, ainda que em escala de amostra grátis, no mercado de câmbio, uma tarefa do BC. Além disso, a lógica política da gestão petista não pode dispor assim facilmente de arrecadação extra, pois sempre há uma categoria de servidores ou um pleito clientelista na fila do sopão.
Enquanto isso, no Congresso, senadores petistas davam a arrancada numa medida que, sob o nobre pretexto de melhorar a saúde pública, não só amplia abruptamente as despesas correntes como engessa ainda mais um Orçamento já repleto de gastos com destinação obrigatória. Na Câmara, deputados federais da base governista, incentivados pelo Planalto, completavam a obra com o projeto que ressuscita a CPMF.
Tantos desencontros de sentido nas ações do governismo e uma crônica desarticulação de projetos e equipes na área econômica colocam o Brasil em situação de vulnerabilidade diante das ameaças, internas e externas, à continuidade do crescimento. Ainda é tempo de corrigir a rota.


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