São Paulo, terça-feira, 02 de junho de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Pandemia de influenza: reflexões iniciais

JARBAS BARBOSA DA SILVA JR.


Como é impossível prever o comportamento futuro do vírus, torçamos pelo melhor, mas nos preparemos para o pior

NO INÍCIO deste ano, em algum lugar do México, emergiu um novo vírus de influenza, o A(H1N1), que ameaça o mundo com a possibilidade de uma pandemia. Ainda que o conceito refira-se exclusivamente à dispersão geográfica, e não à severidade da doença, sua utilização remete às repercussões dramáticas produzidas pela Gripe Espanhola.
Na verdade, essa pandemia ocorrida em 1918 foi absolutamente singular, em termos de gravidade e de letalidade, quando comparada com as outras pandemias que a antecederam ou sucederam. Mas o fato é que não há como predizer quando ou com que grau de gravidade ocorrerá uma pandemia de influenza.
Encontramo-nos agora na situação epidemiológica mais próxima a uma pandemia desde que a última ocorreu, em 1968 -a chamada Gripe de Hong Kong.
Tecnicamente, só é necessário confirmar que o vírus estabeleceu transmissão sustentável em pelo menos um país de outro continente, pois, nas Américas, essa condição já foi alcançada: México, EUA e Canadá. Com as tendências observadas até agora, sobretudo na Espanha, no Reino Unido, no Japão e na Austrália, esse nível está sendo rapidamente alcançado.
Algumas reflexões sobre os cenários atuais e futuros podem auxiliar na preparação dos países para enfrentar esse desafio.
Nos últimos cinco anos, o mundo vinha se preparando para uma pandemia pelo vírus A(H5N1), o da Gripe Aviária, que tem limitada capacidade de transmissão, mas apresenta letalidade alta entre os poucos casos que produz. O A(H1N1), ao contrário, transmite-se rapidamente, e a maioria dos casos são leves, com sintomas semelhantes ao da gripe sazonal, o que dificulta sua detecção.
Assim, é urgente fortalecer a vigilância epidemiológica em cada país, para identificar os casos importados e seus contatos num primeiro momento; perceber rapidamente quando a transmissão comunitária se estabelecer; e identificar possíveis mudanças no comportamento do vírus.
Essas informações são fundamentais para definir as distintas estratégias e medidas a serem tomadas.
A chegada do inverno no hemisfério Sul, quando se intensifica a transmissão dos vírus da influenza, pode trazer problemas aos serviços de saúde, com a possível ocorrência de uma dupla carga de morbidade. Os casos complicados da gripe sazonal podem somar-se aos produzidos pelo novo vírus, sobrecarregando emergências, respiradores e UTIs.
É urgente atualizar os planos de contingência para enfrentar esse cenário possível, por meio de estratégias para suspender procedimentos eletivos; definição de fluxo de pacientes; protocolos clínicos bem divulgados entre profissionais de saúde; e acesso aos medicamentos.
Os casos graves que estão sendo observados apresentam algumas características comuns, como a presença de diabetes, enfisema, asma e outras doenças crônicas, ou determinadas condições, como a gravidez. Os que faleceram, em geral, demoraram a ser hospitalizados e a receber o tratamento adequado com os antivirais.
Outra questão importante são as medidas de saúde pública, um terreno no qual, infelizmente, há vários exemplos de medidas adotadas sem nenhuma evidência de que possam produzir benefícios reais. Têm apenas o propósito de fornecer à população uma falsa sensação de segurança.
Entre elas estão a suspensão de voos, que não impediu a ocorrência de casos em Cuba, na Argentina e na China. Ou a distribuição massiva de máscaras, que não impediu a rápida disseminação no México.
A comunicação apropriada, simples e baseada em boa ciência, é a melhor arma contra a natural angústia de buscar proteção que todos têm e que, equivocadamente, chamamos de pânico ou alarmismo.
Esquecer as máscaras e lembrar de lavar as mãos várias vezes ao dia, proteger a tosse e o espirro, de preferência com lenço descartável, e não comparecer ao trabalho ou à escola quando com sintomas. Tais medidas, ao lado da suspensão localizada de aulas em escolas onde se registram surtos, têm sido, até agora, as mais efetivas.
Como é impossível prever o comportamento futuro do vírus, torçamos pelo melhor, mas nos preparemos para o pior. As ações implantadas com base racional não serão desperdiçadas, mesmo que se mantenha o atual cenário. Fortalecer a vigilância epidemiológica, a capacidade dos laboratórios de saúde pública, a preparação dos serviços de saúde e estruturar uma boa comunicação de risco são medidas que servirão para enfrentar essa e qualquer outra emergência de saúde pública que viermos a enfrentar no futuro.


JARBAS BARBOSA DA SILVA JR. , 52, médico epidemiologista, mestre e doutor em saúde coletiva pela Unicamp, é gerente de Vigilância em Saúde, Prevenção e Controle de Doenças da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde em Washington, DC (EUA).

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