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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Buracos paulistanos
SÃO PAULO - Uma cratera aberta
na rua Oscar Freire, quase na esquina da Rebouças, transtornou (um
pouco mais) o trânsito da região
dos Jardins. O acidente ocorreu no
domingo, no fim do lado menos nobre, ou "burguês", da famosa rua.
Professores de esquerda que se
reúnem todos os domingos, já há
décadas, numa pizzaria na Oscar
Freire costumam brincar que aquele lado da rua é a "rive gauche".
Foi-se o tempo em que o marxismo era a "filosofia insuperável" da
nossa época, como dizia Sartre, o
grande personagem da "rive gauche" original. Sua reputação, aliás,
só piora com o passar do tempo, o
que pode ser uma boa razão para lê-lo. Quanto à esquerda, de certa forma ela também terminou em pizza.
Mas voltemos às coisas comezinhas. Depois da Rebouças, o nosso
Sena, vem a "rive droite". É onde a
Oscar Freire se transforma no bulevar das lojas de grife e do luxo extremado. Das calçadas sem buracos
à fiação enterrada -tudo ali parece
melhor, mais limpo, mais novo.
Ou quase tudo. No coração da
"rive droite", na rua da Consolação,
entre a Oscar Freire e a Lorena, a
chuva derrubou uma árvore imensa. Seus restos mortais ficaram por
lá, atravessados entre a rua e a calçada, impedindo a passagem de pedestres e "atrapalhando o tráfego".
Depois de duas semanas, como a
prefeitura nada fazia, os comerciantes locais decidiram desobstruir a calçada eles mesmos. O acidente ocorreu na Quarta-Feira de
Cinzas. Mais de cem dias depois, o
tronco podre ainda está lá, inclinado e abandonado, atravancando a
passagem, atraindo lixo à sua volta. Alguém já pensou em homenagear o prefeito e batizar o tronco
caído de "Kassabinho". Mas a prefeitura deve ter mais no que pensar.
É claro que há crateras sociais e
abandonos mais sérios na cidade.
Eu até queria comentar outra notícia do jornal de ontem: moradores
de Santa Cecília querem proibir a
doação de comida aos sem-teto da
região. Mas aqui parece que a margem (ou o buraco) é mais embaixo.
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