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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
A reviravolta
A sucessão presidencial tem tudo para acabar em reviravolta. A
reviravolta não será repentina nem espetacular. Resultará de esforço paciente em demonstrar que há outro
rumo a seguir e que já apareceu quem
possa liderar o país em trilhá-lo. E acabará por triunfar sobre arsenal de intimidações que já inclui desde o dinheiro dos banqueiros até o desvirtuamento da Polícia Federal.
O rumo de que o Brasil precisa consiste na recuperação da capacidade financeira e estratégica do Estado, no
reposicionamento internacional do
país, na ampliação do acesso às oportunidades para qualificar-se, empregar-se e produzir, na valorização do
salário real, com consequente aprofundamento de um mercado de consumo de massa, e na construção de rede de ensino público e de saúde pública capaz de atrair a classe média em
proveito de todos os usuários do serviço. A crise de confiança financeira que
vivemos é por sua própria natureza
efêmera. Contrariamente ao que se
supõe, não faltam estratégias de transição capazes de superá-la. Temos de
escolher entre elas de acordo com dois
critérios: assegurar a primazia dos interesses da produção e, ao assegurá-la,
democratizar a economia de mercado
no Brasil.
A essência da liderança necessária
-liderança a ser desempenhada por
grupo, não apenas por indivíduo-
está na capacidade de reconciliar dois
imperativos: negociar e mobilizar.
Quem propõe mudança sem negociar
com os interesses poderosos e organizados descamba para a aventura e a
derrota. Quem negocia sem mobilizar
as maiorias desorganizadas -inclusive a maioria desorganizada da classe
média- acaba refém das elites econômicas e políticas. Sem negociação, a
mobilização se perde. Sem mobilização, a negociação se esteriliza.
Pode o país, com seus instrumentos
falhos de política e de informação,
descobrir onde e com quem iniciar o
caminho? Pode sim, porque a campanha que começa agora terá riqueza suficiente de incidentes e de exposições
para servir de processo rápido e concentrado de aprendizagem coletiva. A
frustração em ouvir o que parece um
mesmo discurso adotado por todos os
candidatos presidenciais se dissipará à
medida que se comecem a perceber os
contrastes decisivos de orientação e de
compromisso. A tentativa quase unânime da mídia de declarar a sucessão
definitivamente polarizada entre o
candidato oficial e o candidato do PT e
de insistir na estreiteza da margem de
manobra do futuro governo apenas
estimulará o eleitorado a buscar a opção que se lhe querem sonegar. A fabricação de dossiês e difamações por
colaboradores negocistas de um candidato que encara o embate menos
como campanha eleitoral do que como campanha militar não desviará o
foco do eleitorado. Apressará, porém,
a incriminação desses negocistas.
Apesar do desencanto com a política, o Brasil tem hoje fome de projeto e
de liderança. O momento é de constância na elucidação de propostas e na
reunião de forças. Nenhum país no
mundo, rico ou pobre, ostenta hoje
cultura de auto-ajuda e de empreendimento mais vigorosa, embora desequipada, do que o nosso. E nenhum
tem discussão mais viva e rica, ainda
que confusa e truncada, sobre seu futuro nacional. O Brasil, esse país de intuitivos e de improvisadores, em que o
sincretismo tem sido o problema e a
solução, chegou ao dia de olhar para
dentro de si mesmo. Descartando o
roteiro que lhe prepararam, escreverá
outro melhor. A reviravolta na sucessão será o sinal.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.idj.org.br
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