São Paulo, terça-feira, 02 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Direitos humanos e combate à tortura

MARCO MACIEL

Há 15 anos entrou em vigor a Convenção contra a Tortura e Outras Formas Cruéis, Desumanas ou Degradantes de Tratamento ou Punição, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1984.
Como se sabe, a tortura é um crime hediondo, que afronta a consciência da humanidade e os valores dos direitos humanos, da democracia e do Estado de Direito. Ao infligir graves sofrimentos físicos e psicológicos às vítimas, a tortura viola a integridade do espírito humano, o reduto interior da consciência e da personalidade, negando a suas vítimas a individualidade e a dignidade inerentes à condição de ser humano.
O combate à tortura constitui um dos principais objetivos dos movimentos pelos direitos humanos. As declarações e os tratados internacionais atribuem caráter especial à proibição da tortura, a qual não pode ser derrogada em nenhuma circunstância. A tortura é também categorizada como crime contra a humanidade, punível em âmbito internacional e sujeito à cláusula da jurisdição universal.
O Brasil compartilha do repúdio à tortura e aderiu aos principais instrumentos internacionais que visam combater tal prática. Ao assinar a Convenção da ONU de 1984, o então presidente José Sarney sublinhou a importância política dessa adesão para um Brasil recém-redemocratizado.
No plano interno, no entanto, a tipificação do crime de tortura só seria alcançada em 1997, com a aprovação da lei 9.455/97. Não obstante, passados vários anos da ratificação da convenção e da tipificação do crime, a tortura continua a ocorrer de forma sistemática e recorrente no país, em estabelecimentos policiais, prisionais e de atendimento a adolescentes em conflito com a lei.
Essa constatação não é só do governo federal, mas também do Comitê contra a Tortura da ONU, que avaliou nosso relatório no ano passado, e do ex-relator especial sobre a tortura, que visitou o Brasil no ano 2000 e formulou uma série de recomendações para a superação desses problemas.


Os esforços em andamento sinalizam a construção de um consenso sobre a gravidade da tortura


Com base nessas sugestões, o governo federal preparou uma inédita campanha nacional contra a tortura, veiculada por spots publicitários na televisão, no rádio e nos jornais. Como presidente em exercício, lancei-a no dia 30 de outubro de 2001. Na ocasião foi, também, inaugurada a central nacional de SOS Tortura, que oferece um canal eficiente para o registro e o acompanhamento de denúncias de tortura em todo o país.
Para que a campanha contra a tortura tenha êxito, faz-se necessária a adesão de todas as unidades da Federação, de suas instituições no âmbito dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e do Ministério Público. Os órgãos e instituições do Estado devem, em seu conjunto, esmerar-se ao máximo para que a Lei da Tortura seja aplicada em todo o território nacional.
Como bem destacou o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Nilson Naves, durante recente solenidade de adesão do Brasil ao Dia Mundial de Combate à Tortura, "o sofrimento humano não é espetáculo; justiça não é vingança; policial não é carrasco". E, portanto, enfatiza o ministro que, "ao agirem fora da lei, sobre os criminosos recaia o castigo por seus crimes, após o devido processo legal".
Os esforços em andamento sinalizam a construção de um consenso na sociedade brasileira sobre a gravidade da prática da tortura no país e a necessidade de ações conjuntas para a superação desse quadro no mais curto prazo. É por meio delas e com o êxito dessa campanha que realizaremos o "sonho intenso" de que fala o hino nacional, de construir uma nação não só democrática e desenvolvida, mas igualmente pacífica e, sobretudo, justa.


Marco Maciel, 61, é vice-presidente da República. Foi governador do Estado de Pernambuco (1972-82), senador pelo PFL-PE (1982-94) e ministro da Educação (governo Sarney).



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