São Paulo, sexta-feira, 02 de julho de 2004

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JOSÉ SARNEY

O perigo de Bush aceitar sugestões

Numa dessas minhas sextas-feiras, nessa tarefa nem sempre árdua de encontrar temas, escrevi sobre a Guerra do Iraque e defendi a tese de que o único resultado visível dela foi a prisão de Saddam Hussein, por cujo pescoço George Bush está lambendo os beiços. E disse que, se o objetivo era o de varrer ditadores, mais fácil seria invadir o Turcomenistão, onde um presidente não está fazendo coisas muito ortodoxas.
Não queira saber o leitor o que aconteceu. Meti-me numa encrenca internacional que minha vaidade não esperava. Quem escreve, sem dúvida deseja ser lido, encontrar pessoas que digam "gostei daquele artigo", "aquela história do Lampião é ótima" ("Lampião e o Iphan", 18/6) e outras coisas que amaciam o ego do escriba. Deve ser um sofrimento "retroz" escrever e ver o texto ficar num túmulo, sem ninguém a lê-lo. Golbery, quando o senador Leite Chaves deu um aparte picante sobre a conduta do general Ednardo em São Paulo no idos de 74 e o ministro Frota quis cassá-lo, argumentou que Leite Chaves já se havia retratado. Frota replicou: "Mas está nos anais do Congresso". Golbery atirou rápido: "Ô Frota, quando você quiser guardar um segredo, ponha nos anais do Congresso. Ninguém fica sabendo nem descobre". Quem quiser saber mais detalhes sobre esse episódio, que leia o excelente novo livro de Elio Gaspari, "A Ditadura Encurralada", que vai completando a obra do grande historiador do nosso tempo que ele é.
Bem, mas eu estava tratando do sofrimento do escritor que ninguém lê, lavado nas lavandas do febeapá: sou o único conhecido jornalista brasileiro que é lido no Turcomenistão.
Numa manhã deste mês, em Moscou, entrou na Embaixada do Brasil, para uma audiência solene, um senhor de barbas longas e severo. Apresentou-se: "Sou o embaixador do Turcomenistão e vim apresentar uma nota de protesto formal, exigindo retratação do governo brasileiro, do articulista e do corpo editorial do jornal pelo artigo escrito pelo senhor José Sarney em que pede que os Estados Unidos invadam o Turcomenistão, que é um país soberano". O embaixador ficou perplexo. Também eu não teria a pabulagem de pensar ser lido pelo embaixador do Brasil em Moscou. Ele não sabia de artigo nenhum e, diplomaticamente, recebeu o documento, afirmando que ia remetê-lo ao Ministério das Relações Exteriores. O homem advertiu: "Embaixador, se não ocorrer a retratação, isso vai prejudicar as tradicionais relações de amizade turcomeno-brasileiras".
Foi assim que soube que tinha chegado ao Turcomenistão, viajando pelas estepes russas, a minha "boutade" inocente sobre caminhos bem menos custosos para os Estados Unidos nessa questão do Iraque.
De minha parte, aqui, agora, formalmente apresento minhas desculpas ao Turcomenistão e agradeço extremamente comovido a bondade de terem lido este modesto colunista de Pinheiro, que não queria outra coisa -eu e os americanos, cuja maioria já pensa assim- senão que George Bush tivesse mais juízo.
Agora, confesso. Na verdade estou com medo de que o presidente Bush -meu leitor assíduo- tenha lido o meu artigo e esteja realmente preparando a invasão do Turcomenistão, com o meu protesto.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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