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JOSÉ SARNEY
O perigo de Bush aceitar sugestões
Numa dessas minhas sextas-feiras, nessa tarefa nem sempre árdua de encontrar temas, escrevi sobre a Guerra do Iraque e defendi a tese de
que o único resultado visível dela foi a
prisão de Saddam Hussein, por cujo
pescoço George Bush está lambendo
os beiços. E disse que, se o objetivo era
o de varrer ditadores, mais fácil seria
invadir o Turcomenistão, onde um
presidente não está fazendo coisas
muito ortodoxas.
Não queira saber o leitor o que aconteceu. Meti-me numa encrenca internacional que minha vaidade não esperava. Quem escreve, sem dúvida deseja ser lido, encontrar pessoas que digam "gostei daquele artigo", "aquela história do Lampião é ótima" ("Lampião e o Iphan", 18/6) e outras coisas
que amaciam o ego do escriba. Deve
ser um sofrimento "retroz" escrever e
ver o texto ficar num túmulo, sem ninguém a lê-lo. Golbery, quando o senador Leite Chaves deu um aparte picante sobre a conduta do general Ednardo em São Paulo no idos de 74 e o
ministro Frota quis cassá-lo, argumentou que Leite Chaves já se havia
retratado. Frota replicou: "Mas está
nos anais do Congresso". Golbery atirou rápido: "Ô Frota, quando você
quiser guardar um segredo, ponha
nos anais do Congresso. Ninguém fica
sabendo nem descobre". Quem quiser
saber mais detalhes sobre esse episódio, que leia o excelente novo livro de
Elio Gaspari, "A Ditadura Encurralada", que vai completando a obra do
grande historiador do nosso tempo
que ele é.
Bem, mas eu estava tratando do sofrimento do escritor que ninguém lê,
lavado nas lavandas do febeapá: sou o
único conhecido jornalista brasileiro
que é lido no Turcomenistão.
Numa manhã deste mês, em Moscou, entrou na Embaixada do Brasil,
para uma audiência solene, um senhor de barbas longas e severo. Apresentou-se: "Sou o embaixador do Turcomenistão e vim apresentar uma nota de protesto formal, exigindo retratação do governo brasileiro, do articulista e do corpo editorial do jornal pelo
artigo escrito pelo senhor José Sarney
em que pede que os Estados Unidos
invadam o Turcomenistão, que é um
país soberano". O embaixador ficou
perplexo. Também eu não teria a pabulagem de pensar ser lido pelo embaixador do Brasil em Moscou. Ele
não sabia de artigo nenhum e, diplomaticamente, recebeu o documento,
afirmando que ia remetê-lo ao Ministério das Relações Exteriores. O homem advertiu: "Embaixador, se não
ocorrer a retratação, isso vai prejudicar as tradicionais relações de amizade turcomeno-brasileiras".
Foi assim que soube que tinha chegado ao Turcomenistão, viajando pelas estepes russas, a minha "boutade"
inocente sobre caminhos bem menos
custosos para os Estados Unidos nessa
questão do Iraque.
De minha parte, aqui, agora, formalmente apresento minhas desculpas ao
Turcomenistão e agradeço extremamente comovido a bondade de terem
lido este modesto colunista de Pinheiro, que não queria outra coisa -eu e
os americanos, cuja maioria já pensa
assim- senão que George Bush tivesse mais juízo.
Agora, confesso. Na verdade estou
com medo de que o presidente Bush
-meu leitor assíduo- tenha lido o
meu artigo e esteja realmente preparando a invasão do Turcomenistão,
com o meu protesto.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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