São Paulo, domingo, 02 de julho de 2006

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Cai o pano, cai a máscara

FRANCISCO DE OLIVEIRA

O "picolé de chuchu" e os "magnatas" que jantam quase sempre em Nova York mordem-se de raiva por terem inventado a reeleição

TRÊS ANOS E MEIO de duro tratamento aos funcionários civis da União, prolongamento dos oito de FHC. Reajustes salariais ridículos, sob a farsa da inflação controlada desde o Plano Real. Quando ministro do Planejamento, o honrado ministro da Fazenda que se salva do atoleiro ético em que afundou o Partido dos Trabalhadores declarou que se sentia "orgulhoso" de anunciar um reajuste de 0,1% para o funcionalismo. Você não leu errado: 0,1%.
Os argumentos sempre foram os mesmos, depois que economistas neoliberais construíram a equação "gastos públicos = inflação". As remunerações do funcionalismo público civil podem ser dos fatores mais perigosos para a escalada inflacionária, nessa interpretação conservadora.
Agora, o Planalto edita medidas provisórias para conceder aumentos salariais aos servidores civis, e até 50%, em média, para os das universidades federais. A "generosidade" -não se fala em direitos- se explica pelo ano eleitoral, apesar da negativa de sisudos ministros, e não se fala em inflação nem em superávit primário: é que o crescimento econômico que será recorde no ano, na faixa dos 6% -segundo o sempre panglossiano presidente-, permitirá.
Os 6% panglossianos ainda são mera projeção do desempenho do primeiro trimestre do ano, e a indústria já desacelerou. Metas e superávit primário já estariam assegurados, argumento estranho para quem confia tanto no mercado, que por definição é instável.
Cai o pano, revelando o que é tão ostensivo que dispensa rebuscados argumentos: trata-se de uma medida eleitoreira, o que não nega a necessidade dos reajustes, que poderiam ter ocorrido ao longo dos anos, dada a penúria em que se encontram funcionários civis da União.
E os Estados são obrigados a se pautarem pela União: diz-se que o Estado de São Paulo, essa "locomotiva que puxa os vagões vazios", depois de 12 anos de tucanato vai reajustar os salários e remunerações dos servidores civis em torno de 0,5%; as universidades estaduais oferecem 0,75%.
O escárnio é geral: os propalados 50% a serem dados pelo governo federal reduzem-se, na verdade, a meros 9% sobre o salário-base, pois a remuneração dos docentes federais é composta principalmente por gratificações, que não se reajustam, um truque fernandino para evitar reajustes reais, e para que os "aumentos" concedidos não sejam transportados para as aposentadorias.
E o TSE também faz política econômica: reajustes acima da inflação são ilegais! E cai a máscara também: os anos anteriores de duro tratamento nunca foram necessários, a não ser para produzir os formidáveis lucros dos bancos brasileiros e estrangeiros.
As eleições se aproximam e o presidente ri gostosamente: será reeleito no primeiro turno, perspectiva ainda mais segura com o voto de uma parcela dos milhares de funcionários civis da União que, agradecida, renderá seu preito de gratidão nas urnas.
Com o "intermezzo" da Copa, que será (?) nossa de novo, partiremos renovados para outubro: outro feito do governo Lula. Aí então é que como disse Chico, o Buarque, "ninguém segura esse/rojão".
O "picolé de chuchu" e os "magnatas" -lembrem-se: esse é um termo utilizado na Rússia para designar próceres de caráter duvidoso- que jantam quase diariamente em Nova York mordem-se de raiva por terem inventado a reeleição.
Para o PCC, nada melhor. Segundo um célebre ex-ministro, que continua assessorando presidentes, inclusive o atual, quanto maior o bolo, mais fatias pode-se arrancar. Se tem gosto de carne humana, dos próprios bandidos, dos policiais e de outras vítimas, isso é puro sentimentalismo: o capitalismo também tem esse gosto ou "saveur", afrancesadamente.
A política e o Estado? Vão digladiar-se tucanos e petistas, em busca do Santo Graal -estamos em época do Código Da Vinci-, que, como no livro recordista de Dan Brown, não é mais que uma trapaça.Os verdadeiros poderes estão noutras partes: nos bancos, o verdadeiro crime organizado (Chomsky), e nos bandos que procuram copiar os bancos.
A política tornou-se uma brincadeira, custosa é verdade, e o Estado, uma ficção. Ou melhor: é um Estado de exceção, na acepção rigorosa do termo. Bolsa-Família por um lado, o limite da sobrevivência quase como em Auschwitz, e PCC pelo outro.
Lembrava-me antigo e brilhante aluno como era o Império Romano, segundo Gibbon: 50% de escravos empurrando a elite republicana ou imperial, contra 50% de cidadãos, estes imprensados entre os escravos -os 50% do informal- e os "bárbaros" -PCC e similares- que num movimento de pinças estraçalharam Roma. Perguntava-se Gibbon: em que vai dar isso? No desastre. Com que se parece?


FRANCISCO DE OLIVEIRA, 72, professor titular aposentado de sociologia do Departamento de Sociologia da FFLCH-USP.

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