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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Lição de jornalismo
SÃO PAULO - Um dos bons capítulos da imprensa brasileira dos últimos anos foi escrito pelos perfis publicados na revista "piauí". "Vultos
da República", lançado agora pela
Companhia das Letras, reúne nove
deles, dedicados a personagens do
mundo político. Estão lá os presidenciáveis: Dilma Rousseff, em
dois textos de Luiz Maklouf Carvalho; José Serra ("Na hora da decisão") e Marina Silva ("A verde"), retratados por Daniela Pinheiro.
"O consultor" José Dirceu, o ex-ministro Marcio Thomas Bastos e
Sérgio Rosa, ex-presidente da Previ, são figuras de destaque, das luzes e das sombras, verdadeiros vultos da era Lula. O perfil de Francenildo dos Santos Costa, "o caseiro"
cujo sigilo bancário foi violado pelo
governo, é especial. Todo "companheiro" petista deveria lê-lo na cama, antes de dormir.
Mas o grande momento do livro é
o texto de abertura, "O andarilho",
perfil de FHC assinado por João Moreira Salles, uma obra-prima do jornalismo. No posfácio, Humberto
Werneck destaca, com razão, que o
autor procede como havia feito em
"Entreatos", documentário sobre a
campanha de Lula em 2002: gruda
no personagem e o acompanha,
buscando interferir o mínimo possível naquilo que ouve e vê (apesar
da consciência de que sua presença
faz parte da cena e a altera).
FHC concedeu intimidades ao interlocutor, um Moreira Salles, provavelmente sem esperar que ele ali
fosse antes um João jornalista. O resultado, muito humano, fisga o
âmago do personagem.
"O objeto fala, o narrador pode
se calar", escreveu o próprio Moreira Salles no posfácio à edição brasileira do livro de perfis do editor da
"New Yorker", David Remnick. Ali,
ele aponta que a revista criou e cultiva uma espécie de "retórica das
coisas, de acordo com a qual o personagem se revela não só pelo que
diz, mas também pelo que o cerca".
O que não deixa de ecoar a convicção de Flaubert: "Para que uma coisa seja interessante, basta olhá-la
durante muito tempo".
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