São Paulo, terça-feira, 02 de agosto de 2011

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Jeitinho fatal

SÃO PAULO - "Eu perdi o controle", diz a nutricionista Gabriela Guerrero Pereira, 28, sobre o acidente que provocou a morte de Vitor Gurman, 24, por atropelamento. "Aconteceu um acidente, uma fatalidade", diz o engenheiro Marcelo Malvio Alvez de Lima, 36, ao descrever a colisão entre seu Porsche e o Tucson da advogada Carolina Cintra Santos, 28, que morreu de forma instantânea.
As duas entrevistas à Folha são em boa medida cambiáveis. Ambas foram concedidas nos escritórios dos respectivos advogados, ambas pensadas como parte de uma operação de contenção de danos. Funcionam menos para dirimir dúvidas do que para tentar despertar a compaixão do leitor pelo entrevistado.
Procura-se estabelecer vínculos e identificações entre o público e os personagens envolvidos. Algo na linha: poderia ter acontecido comigo ou com você. Ninguém precisa vestir a carapuça para perceber que essa identificação, em muitos casos, tem fundamento e funciona.
Sim, é preciso cuidado para não endossar o linchamento das pessoas pela mídia, algo tão frequente. Mas também é preciso evitar a indústria da desculpabilização midiática, cada vez mais em alta. Não adianta a garota confessar diante do gravador: "Eu estou destruída". Não basta que o rapaz nos diga: "Não sou um bandido". Não é isso o que está em questão. Os acidentes poderiam ter sido evitados. Não há nenhuma "fatalidade" aqui.
Em 2010, a cidade de São Paulo registrou 1.357 mortes no trânsito -630 por atropelamento. É muito, mas o índice já foi bem maior. Em 1990, por exemplo, houve 2.715 mortes (1.621 atropelamentos).
O cinto de segurança, o novo código de trânsito e os radares foram os responsáveis pela redução das vítimas fatais nas últimas décadas. Daqui em diante, para atingir níveis civilizados, é preciso punir as pessoas de verdade e assumir de fato uma cultura de tolerância zero. Caso contrário, vamos continuar atribuindo a Deus ou ao destino os crimes do jeitinho brasileiro.


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