São Paulo, terça-feira, 02 de agosto de 2011

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CARLOS HEITOR CONY

A Paris de Woody Allen


RIO DE JANEIRO - Um mês em algumas capitais da Europa e passei por vários cinemas que estão exibindo o último filme de Woody Allen, que apesar de ser um dos cineastas que mais se repetem, continua sendo dos meus preferidos. Não entrei em nenhuma das salas. Não vi nem gostei de sua visita a uma Paris mais do que sovada. Depois de Miller, Fitzgerald e Hemingway, escrever sobre a capital francesa equivale a escrever sobre as Guerras Púnicas.
Lembro uma cena do filme sobre a primeira visita de Chopin a Paris ciceroneado por seu professor. No bar da calçada de um boulevard estão sentados, bebendo absinto, Victor Hugo, Balzac, Zola, Montaigne, Joana d'Arc e Juliette Greco numa mistura fantástica de charme.
Aliás, este samba do crioulo doido é comum em filmes históricos. Numa primeira versão de "Júlio César", de Joseph L. Mankiewicz (1953), Marlon Brando interpretando Marco Antônio no funeral de César, esqueceu de tirar o relógio de pulso, e nenhum dos "honourable men" à frente ou por trás da câmara percebeu o absurdo. O famoso discurso teve de ser refilmado.
O padre Miguel, nas festas do seminário onde estudei, levava uma máquina e passava uma vida de Cristo da antiga Pathé, filme mudo em que no fundo da cena, um ciclista boquiaberto olhava a Sagrada Família fugindo para o Egito e da degola das criancinhas ordenada por Herodes.
É possível que o humor e seu amor a Cole Porter e a Gershwin tenha evitado anacronismos mais espalhafatosos. E seu estupendo ouvido para as trilhas musicais certamente salvará sua melancólica visita à geração perdida. Mas nada que possa ser comparado à obra-prima ("Manhattan") ou à sua melhor sátira política, "Bananas", feita ainda no início de sua carreira.
Só espero que ele não tenha colocado Gertrude Stein recitando Mallarmé ao som do "La vie em rose".


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