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SIM
Plebiscito da dívida externa
FREI BETTO
O plebiscito da dívida externa, de
2 a 7 de setembro, deverá levar às
urnas instaladas em paróquias, sindicatos, escolas e associações comunitárias
aqueles que, sensíveis ao apelo das pastorais sociais da CNBB, querem opinar
se o Brasil deve ou não continuar a comprometer 65% de seu Orçamento para
satisfazer os credores internacionais. A
proposta, que conta com o apoio de
movimentos sociais, visa condicionar o
pagamento da dívida a uma auditoria,
prevista pela Constituição, que verifique o quanto é devido, o quanto já foi
pago e qual a aplicação dos recursos que
entraram no país.
As cédulas terão três perguntas:
1) O governo brasileiro deve manter o
atual acordo com o FMI?
2) O Brasil deve continuar pagando a
dívida externa sem realizar uma auditoria pública desta dívida, como prevê a
Constituição de 1988?
3) Os governos federal, estaduais e
municipais devem continuar usando
grande parte do Orçamento para pagar
a dívida interna aos especuladores?
Somadas, as dívidas externa e interna
estão, hoje, em quase US$ 500 bilhões.
Em 1999, o governo entregou aos credores internacionais US$ 66 bilhões (US$
15 bilhões em juros e US$ 51 bilhões em
amortizações). Os juros das dívidas interna e externa vão exigir do governo,
este ano, o desembolso de R$ 78 bilhões.
Segundo o senador Suplicy, esse montante poderia assegurar a cada um dos
167 milhões de brasileiros uma renda
mínima de quase R$ 500.
As atuais reservas brasileiras são inferiores a US$ 35 bilhões, o que obriga o
governo a se endividar ainda mais para
rolar a dívida. O Brasil deve aos credores internacionais US$ 231 bilhões. Entre 1991 e 98, o governo privatizou 63
empresas e arrecadou US$ 85 bilhões.
Contudo, entre 1994 e 98, o país entregou aos credores, entre amortização e
juros, cerca de US$ 126 bilhões. Convertidos em nossa moeda, são mais de R$
230 bilhões. Se essa fortuna ficasse aqui,
seria possível oferecer um bônus de R$
1.474 para cada brasileiro; ou de R$
45.677 para cada família brasileira que
possui renda mensal de até um salário
mínimo; ou construir 15,5 milhões de
casas populares de 35 m2, ao custo unitário de R$ 15 mil. Ou, ainda, 948 mil
postos de saúde, no valor de R$ 90 mil a
unidade.
Se os credores não tivessem embolsado os nossos recursos, teria sido possível assentar 5.833 famílias de agricultores, ao custo de R$ 40 mil cada uma. Seria o fim dos sem-terra, a atividade econômica cresceria, os alimentos ficariam
baratos e a população das grandes cidades seria reduzida, bem como a violência urbana e o número de famílias e
crianças na rua.
No início de agosto, um decreto presidencial cortou R$ 673,7 milhões dos
programas sociais para pagar precatórios de órgãos do Judiciário e do Executivo. Isso equivale à metade da verba
aprovada, uma semana antes, para o
programa IDH-14: um total de R$ 1,1 bilhão para projetos sociais, só neste ano.
O saneamento perdeu R$ 54,1 milhões;
o ensino fundamental, R$ 34,4 milhões;
os programas de renda mínima, R$ 80
milhões; o SUS, R$ 22,1 milhões; os assentamentos rurais, R$ 3 milhões.
Nessa aldeia global em que os contrastes ficam cada vez mais evidentes sob a
camisa-de-força neoliberal, globalizam-se a miséria, e não o desenvolvimento, a
violação da soberania nacional, e não o
respeito aos diferentes povos, o espírito
de competitividade, e não o de solidariedade. Os países pobres, submissos
aos ditames do FMI, são obrigados a
imobilizar seus recursos financeiros,
cortar do Orçamento os gastos sociais e
manter reservas em dólares sob o pretexto de resistirem a eventuais crises e
ataques especulativos. Cerca de US$ 730
bilhões de reservas dos bancos centrais
do mundo estão depositados nos EUA.
Eis a lógica perversa da atual ordem
econômica mundial: os países pobres
oferecem financiamento barato e a longo prazo à nação mais rica e poderosa
do planeta.
A dívida externa não pode ser paga
"com o sangue do povo", alertava Tancredo Neves. Ao propor o plebiscito, à
véspera do Grito dos Excluídos, a CNBB
põe em prática o apelo do papa João
Paulo 2º para que, neste ano jubilar, os
países ricos façam um gesto evangélico
e cancelem a dívida dos países pobres.
Com certeza o G-7 não ficaria nem um
pouco mais pobre, pois detém em mãos
US$ 18 trilhões do PIB mundial, calculado em US$ 25 trilhões.
Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto,
55, é frade dominicano, escritor, assessor de movimentos pastorais e sociais e co-autor, com
Emir Sader, de "Contraversões - Civilização ou
Barbárie na Virada do Milênio" (Ed. Boitempo),
entre outros livros.
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