São Paulo, sábado, 02 de setembro de 2000


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Plebiscito da dívida externa

FREI BETTO

O plebiscito da dívida externa, de 2 a 7 de setembro, deverá levar às urnas instaladas em paróquias, sindicatos, escolas e associações comunitárias aqueles que, sensíveis ao apelo das pastorais sociais da CNBB, querem opinar se o Brasil deve ou não continuar a comprometer 65% de seu Orçamento para satisfazer os credores internacionais. A proposta, que conta com o apoio de movimentos sociais, visa condicionar o pagamento da dívida a uma auditoria, prevista pela Constituição, que verifique o quanto é devido, o quanto já foi pago e qual a aplicação dos recursos que entraram no país.
As cédulas terão três perguntas:
1) O governo brasileiro deve manter o atual acordo com o FMI?
2) O Brasil deve continuar pagando a dívida externa sem realizar uma auditoria pública desta dívida, como prevê a Constituição de 1988?
3) Os governos federal, estaduais e municipais devem continuar usando grande parte do Orçamento para pagar a dívida interna aos especuladores?
Somadas, as dívidas externa e interna estão, hoje, em quase US$ 500 bilhões. Em 1999, o governo entregou aos credores internacionais US$ 66 bilhões (US$ 15 bilhões em juros e US$ 51 bilhões em amortizações). Os juros das dívidas interna e externa vão exigir do governo, este ano, o desembolso de R$ 78 bilhões. Segundo o senador Suplicy, esse montante poderia assegurar a cada um dos 167 milhões de brasileiros uma renda mínima de quase R$ 500.
As atuais reservas brasileiras são inferiores a US$ 35 bilhões, o que obriga o governo a se endividar ainda mais para rolar a dívida. O Brasil deve aos credores internacionais US$ 231 bilhões. Entre 1991 e 98, o governo privatizou 63 empresas e arrecadou US$ 85 bilhões. Contudo, entre 1994 e 98, o país entregou aos credores, entre amortização e juros, cerca de US$ 126 bilhões. Convertidos em nossa moeda, são mais de R$ 230 bilhões. Se essa fortuna ficasse aqui, seria possível oferecer um bônus de R$ 1.474 para cada brasileiro; ou de R$ 45.677 para cada família brasileira que possui renda mensal de até um salário mínimo; ou construir 15,5 milhões de casas populares de 35 m2, ao custo unitário de R$ 15 mil. Ou, ainda, 948 mil postos de saúde, no valor de R$ 90 mil a unidade.
Se os credores não tivessem embolsado os nossos recursos, teria sido possível assentar 5.833 famílias de agricultores, ao custo de R$ 40 mil cada uma. Seria o fim dos sem-terra, a atividade econômica cresceria, os alimentos ficariam baratos e a população das grandes cidades seria reduzida, bem como a violência urbana e o número de famílias e crianças na rua.
No início de agosto, um decreto presidencial cortou R$ 673,7 milhões dos programas sociais para pagar precatórios de órgãos do Judiciário e do Executivo. Isso equivale à metade da verba aprovada, uma semana antes, para o programa IDH-14: um total de R$ 1,1 bilhão para projetos sociais, só neste ano. O saneamento perdeu R$ 54,1 milhões; o ensino fundamental, R$ 34,4 milhões; os programas de renda mínima, R$ 80 milhões; o SUS, R$ 22,1 milhões; os assentamentos rurais, R$ 3 milhões.
Nessa aldeia global em que os contrastes ficam cada vez mais evidentes sob a camisa-de-força neoliberal, globalizam-se a miséria, e não o desenvolvimento, a violação da soberania nacional, e não o respeito aos diferentes povos, o espírito de competitividade, e não o de solidariedade. Os países pobres, submissos aos ditames do FMI, são obrigados a imobilizar seus recursos financeiros, cortar do Orçamento os gastos sociais e manter reservas em dólares sob o pretexto de resistirem a eventuais crises e ataques especulativos. Cerca de US$ 730 bilhões de reservas dos bancos centrais do mundo estão depositados nos EUA.
Eis a lógica perversa da atual ordem econômica mundial: os países pobres oferecem financiamento barato e a longo prazo à nação mais rica e poderosa do planeta.
A dívida externa não pode ser paga "com o sangue do povo", alertava Tancredo Neves. Ao propor o plebiscito, à véspera do Grito dos Excluídos, a CNBB põe em prática o apelo do papa João Paulo 2º para que, neste ano jubilar, os países ricos façam um gesto evangélico e cancelem a dívida dos países pobres. Com certeza o G-7 não ficaria nem um pouco mais pobre, pois detém em mãos US$ 18 trilhões do PIB mundial, calculado em US$ 25 trilhões.


Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, 55, é frade dominicano, escritor, assessor de movimentos pastorais e sociais e co-autor, com Emir Sader, de "Contraversões - Civilização ou Barbárie na Virada do Milênio" (Ed. Boitempo), entre outros livros.




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