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CLÓVIS ROSSI
O silêncio dos muros
SÃO PAULO - Em 1974, a reportagem do francês "Le Monde" sobre o
primeiro aniversário do golpe no
Chile tinha como título "Les murs
sont propres a Santiago" ("Os muros estão limpos em Santiago").
Parece insólito, mas é um tremendo resumo da história. Até a
queda do presidente constitucional
Salvador Allende, em setembro de
1973, os muros de Santiago contavam a história política do país a cada instante, em pichações ou murais tipo "realismo socialista" etc. A
ditadura que se seguiu apagou a história, caiando os muros.
É isso que me volta à memória ao
ver os muros (e postes) de São Paulo bastante "propres" mesmo nesta
época de campanha eleitoral, ao
contrário das anteriores. Não que
goste da sujeira abusiva da propaganda eleitoral de anos anteriores.
Mas é forçoso admitir que ela é o
outro lado, desagradável, de uma
história viva, que pulsa, que vibra.
Democracia é assim.
O pior é que, no Brasil, nem foi
preciso uma ditadura para caiar os
muros. A sociedade toda calou-se
sem que qualquer Pinochet da vida
impusesse o silêncio e a limpeza
dos muros.
É só comparar com a Argentina.
Viu a foto dos protestos de anteontem em Buenos Aires contra a violência? Uma massa na rua, de 150
mil pessoas, segundo os organizadores, ou a metade, segundo a polícia. Tanto faz. É, no mínimo, dez vezes mais do que se consegue em São
Paulo ou no Rio, cidades em que a
violência é muito maior que em
Buenos Aires.
Não obstante, os muros "sont
propres" tanto no Rio como em São
Paulo (e outras cidades).
Lembra-se do grito "que se vayan
todos" que os argentinos entoaram
em 2001? Quase todos se foram, e a
vida melhorou depois, ainda que
lentamente. Aqui, "mensaleiros",
"sanguessugas" e outros delinqüentes "no se van jamás".
Mas os muros estão limpos. Pena
que só os muros.
crossi@uol.com.br
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