São Paulo, terça-feira, 02 de setembro de 2008

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MARCOS NOBRE

Pré-sal e pós-Lula

HOJE É DIA de pré-sal, essa palavra estranha que se firmou de vez no vocabulário cotidiano. Mais um dia de discussão sobre o que fazer com o "bilhete premiado" das reservas de petróleo. Uma discussão que está longe de ser simples. As descobertas surgiram quando o Brasil se acostumou a chamar álcool de etanol e se estabeleceu como referência internacional da produção de combustíveis renováveis. Há dúvidas sobre a real extensão das reservas, a forma das concessões de exploração, a qualidade do óleo e a tecnologia e os recursos necessários para extraí-lo.
Lula foi rápido ao dizer e repetir que essa riqueza tem de servir à reparação de injustiças históricas, tem de servir à educação e aos mais pobres. A reação veio com ares de bom senso: não colocar o carro à frente dos bois; saber primeiro de onde virá o dinheiro para a exploração; o óleo só vai começar a aparecer lá por 2012; aplicar em educação pode produzir inflação -e assim por diante.
São pontos importantes, ainda que não seja tarefa fácil separá-los dos interesses de companhias petrolíferas e do mercado financeiro. Mais importante ainda, não têm nada a ver com o que Lula disse. A disputa é, na verdade, sobre o que discutir. É claro que "como" explorar as reservas é decisivo.
Mas o "para quem" é pelo menos tão importante quanto. E muitos dos argumentos do "como" pretendem desqualificar a discussão do "para quem" como prematura ou intempestiva.
Durante o período FHC, a oposição não foi capaz de influenciar a agenda do Plano Real, apenas de bloqueá-la em alguns pontos. O interessante do momento atual é que a oposição consegue pontualmente modificar a pauta que o governo Lula busca estabelecer. Mais interessante ainda, a disputa pela agenda não está mais centrada no sistema político, mas se põe hoje em um debate público pelo menos um pouco mais amplo e plural.
Claro que isso se dá também porque o atual governo tem uma base de sustentação política muito mais precária do que o de FHC e depende em grande medida da popularidade do presidente. Mas é um avanço democrático que não deve ser desprezado.
O esforço de Lula é o de projetar a sua agenda para além de seu governo. Tendo clareza de que nenhuma das chamadas "reformas" (política, tributária, trabalhista) será aprovada até o final do seu mandato, procura fixar posições para tentar orientar os debates futuros. No mesmo sentido são impulsionados hoje temas como os direitos de mulheres e indígenas e a discussão sobre a tortura durante a ditadura militar. E, claro, o "para quem" do pré-sal.

nobre.a2@uol.com.br

MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.



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