São Paulo, terça-feira, 02 de outubro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Tráfico de pessoas: um alerta mundial

KIM BOLDUC, GIOVANNI QUAGLIA E MARINA OLIVEIRA

Segundo as estimativas da ONU, mais de 2,5 milhões de pessoas são vítimas do tráfico a cada ano no mundo todo

JÁ NOS disseram que o tema do tráfico de pessoas não é de grande interesse para o leitor de jornal. As hipóteses: a filha do leitor provavelmente não será vítima do tráfico nem para exploração sexual nem para o trabalho infantil; nem ele nem algum parente tem chances de se tornar vítima, servindo de mão-de-obra escrava em carvoarias ou fazendas.
Se a vergonha de termos, no século 21, sociedades que fecham os olhos para o drama do tráfico de pessoas -grave violação dos direitos humanos- não é suficiente para que o assunto mereça atenção, faremos, então, um chamado mundial.
Segundo as estimativas da ONU, mais de 2,5 milhões de pessoas são vítimas do tráfico a cada ano no mundo todo. Um comércio ilícito que movimenta mais de US$ 32 bilhões por ano. Geralmente de origem pobre, as vítimas são pessoas que buscam uma vida melhor em outro país. Acabam acreditando em falsas promessas e caem na armadilha: exploração, cativeiro e perda de domínio sobre o próprio corpo.
A Iniciativa Global da ONU contra o Tráfico de Pessoas (UN.Gift, na sigla em inglês), liderada pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC), foi lançada em 2007 para conscientizar as pessoas, para estimular governos a ratificar e -principalmente- implementar o Protocolo da ONU contra o Tráfico de Seres Humanos, do qual o UNODC é guardião. Surpreendentemente, 40% dos países-membros da ONU ainda não ratificaram esse instrumento jurídico, em vigor internacionalmente desde 2003.
É preciso reduzir a vulnerabilidade das vítimas. Sem dúvida, o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio -com a redução da pobreza, das desigualdades de gênero, mais acesso à educação, saúde e emprego- já seria um desincentivo às buscas de muitos jovens, cujos sonhos acabam sendo aproveitados por traficantes de seres humanos
Ao mesmo tempo, é preciso reduzir a demanda pelos serviços ofertados por esses "escravos modernos". As vítimas estão por todos os lados: em "sweatshops" (fábricas em que empregados são explorados), em minas, fazendas, carvoarias etc. Fazem trabalhos ilícitos, muitas vezes perigosos, ou são explorados sexualmente.
Não fechemos os olhos. Produtos de baixíssimo preço podem ser resultado de trabalho forçado e até de trabalho infantil; serviços sexuais podem ser conseqüência de exploração.
No Brasil, além do UNODC, a iniciativa conta com a parceria de outras agências da família ONU: OIT (Organização Internacional do Trabalho); UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas); Unifem (Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento da Mulher) e o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). A OIM (Organização Internacional para as Migrações) no Cone Sul também se juntou à iniciativa.
Um marco da UN.Gift é o Seminário de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que começa hoje em Brasília.
O encontro entre sociedade civil, governo e organismos internacionais vai discutir ações para conter esse problema.
Será divulgada pela primeira vez a proposta do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. São compromissos do governo federal nas áreas de prevenção, repressão/responsabilização e atenção às vítimas. Entre outros temas, também serão discutidas as relações da migração, do HIV e da exploração do trabalho com o tráfico. Os resultados do seminário serão levados ao fórum global, na sede do UNODC, em Viena, Áustria, em fevereiro de 2008.
Os dados do tráfico humano são escassos. Por isso, vai ser produzido um relatório mundial sobre como os países estão enfrentando o problema. O levantamento terá foco nas leis e suas adequações às convenções internacionais, Justiça criminal e atenção às vítimas.
Acima de tudo, esse esforço coletivo busca garantir direitos. O tráfico de pessoas força governos e sociedades a olhar para grupos historicamente excluídos. A encruzilhada política colocada é a decisão de investir, mesmo que tardiamente, em segmentos populacionais específicos. Isso deve ocorrer não necessariamente porque o número de vítimas justifica a opção nem porque haverá forte apoio a esses mesmos grupos, mas porque se trata de uma grave violação de direitos -uma ofensa inaceitável para toda a humanidade.


KIM BOLDUC é coordenadora residente do Sistema das Nações Unidas no Brasil.
GIOVANNI QUAGLIA é representante regional do UNODC para o Brasil e o Cone Sul.
MARINA OLIVEIRA é assessora técnica do UNODC em Tráfico de Pessoas.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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