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TENDÊNCIAS/DEBATES
Tráfico de pessoas: um alerta mundial
KIM BOLDUC, GIOVANNI QUAGLIA E MARINA OLIVEIRA
Segundo as estimativas da ONU, mais de 2,5 milhões de pessoas
são vítimas do tráfico a cada ano no mundo todo
JÁ NOS disseram que o tema do tráfico de pessoas não é de grande interesse para o leitor de jornal. As
hipóteses: a filha do leitor provavelmente não será vítima do tráfico nem
para exploração sexual nem para o
trabalho infantil; nem ele nem algum
parente tem chances de se tornar vítima, servindo de mão-de-obra escrava
em carvoarias ou fazendas.
Se a vergonha de termos, no século
21, sociedades que fecham os olhos
para o drama do tráfico de pessoas
-grave violação dos direitos humanos- não é suficiente para que o assunto mereça atenção, faremos, então, um chamado mundial.
Segundo as estimativas da ONU,
mais de 2,5 milhões de pessoas são vítimas do tráfico a cada ano no mundo
todo. Um comércio ilícito que movimenta mais de US$ 32 bilhões por
ano. Geralmente de origem pobre, as
vítimas são pessoas que buscam uma
vida melhor em outro país. Acabam
acreditando em falsas promessas e
caem na armadilha: exploração, cativeiro e perda de domínio sobre o próprio corpo.
A Iniciativa Global da ONU contra
o Tráfico de Pessoas (UN.Gift, na sigla
em inglês), liderada pelo Escritório
das Nações Unidas contra Drogas e
Crime (UNODC), foi lançada em
2007 para conscientizar as pessoas,
para estimular governos a ratificar e
-principalmente- implementar o
Protocolo da ONU contra o Tráfico de
Seres Humanos, do qual o UNODC é
guardião. Surpreendentemente, 40%
dos países-membros da ONU ainda
não ratificaram esse instrumento jurídico, em vigor internacionalmente
desde 2003.
É preciso reduzir a vulnerabilidade
das vítimas. Sem dúvida, o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio -com a redução da
pobreza, das desigualdades de gênero, mais acesso à educação, saúde e
emprego- já seria um desincentivo
às buscas de muitos jovens, cujos sonhos acabam sendo aproveitados por
traficantes de seres humanos
Ao mesmo tempo, é preciso reduzir
a demanda pelos serviços ofertados
por esses "escravos modernos". As vítimas estão por todos os lados: em
"sweatshops" (fábricas em que empregados são explorados), em minas,
fazendas, carvoarias etc. Fazem trabalhos ilícitos, muitas vezes perigosos, ou são explorados sexualmente.
Não fechemos os olhos. Produtos de
baixíssimo preço podem ser resultado de trabalho forçado e até de trabalho infantil; serviços sexuais podem
ser conseqüência de exploração.
No Brasil, além do UNODC, a iniciativa conta com a parceria de outras
agências da família ONU: OIT (Organização Internacional do Trabalho);
UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas); Unifem (Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento
da Mulher) e o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). A OIM
(Organização Internacional para as
Migrações) no Cone Sul também se
juntou à iniciativa.
Um marco da UN.Gift é o Seminário de Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas, que começa hoje em Brasília.
O encontro entre sociedade civil, governo e organismos internacionais
vai discutir ações para conter esse
problema.
Será divulgada pela primeira vez a
proposta do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
São compromissos do governo federal nas áreas de prevenção, repressão/responsabilização e atenção às
vítimas. Entre outros temas, também
serão discutidas as relações da migração, do HIV e da exploração do trabalho com o tráfico. Os resultados do seminário serão levados ao fórum global, na sede do UNODC, em Viena,
Áustria, em fevereiro de 2008.
Os dados do tráfico humano são escassos. Por isso, vai ser produzido um
relatório mundial sobre como os países estão enfrentando o problema. O
levantamento terá foco nas leis e suas
adequações às convenções internacionais, Justiça criminal e atenção às
vítimas.
Acima de tudo, esse esforço coletivo busca garantir direitos. O tráfico
de pessoas força governos e sociedades a olhar para grupos historicamente excluídos. A encruzilhada política
colocada é a decisão de investir, mesmo que tardiamente, em segmentos
populacionais específicos. Isso deve
ocorrer não necessariamente porque
o número de vítimas justifica a opção
nem porque haverá forte apoio a esses mesmos grupos, mas porque se
trata de uma grave violação de direitos -uma ofensa inaceitável para toda a humanidade.
KIM BOLDUC é coordenadora residente do Sistema das
Nações Unidas no Brasil.
GIOVANNI QUAGLIA é representante regional do UNODC
para o Brasil e o Cone Sul.
MARINA OLIVEIRA é assessora técnica do UNODC em
Tráfico de Pessoas.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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