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CARLOS HEITOR CONY
Elogio da ignorância
RIO DE JANEIRO - E, como ia dizendo, já é tempo de fazer um elogio da ignorância. Como ninguém a
fez, faço-a eu, embora Erasmo tenha feito o elogio da loucura com
maior sabedoria e melhor estilo.
A desgraça humana começou, de
acordo com a Bíblia, quando o primeiro homem e a primeira mulher
foram tentados a conhecer tudo, o
Bem e o Mal, comendo o fruto proibido da árvore da sabedoria. Foram
expulsos do Paraíso: o homem condenado a comer com o suor do rosto, e a mulher, a parir seus filhos
com dor.
Tudo teve início aí, a própria história. Surgiram crimes, guerras,
inundações, literalmente o diabo.
Se continuássemos ignorantes, não
teriam acontecido a queda das Bolsas e a subida da temperatura
terrestre.
Bastaram alguns dias fora do
país, gozei um estado de graça que
não me tornou feliz, mas tranqüilo.
No único telefonema que dei para o
Brasil, soube da morte do Fernando
Barbosa Lima, do Fernando Torres
e do Fausto Wolff. Evitei dar ou receber outros telefonemas. Não precisei enterrar a cabeça na areia, como dizem que faz o avestruz. E
-por Júpiter- atingi um grau de
ignorância bem acima da habitual
ignorância a que estou acostumado
e já resignado.
Sempre invejei aquele anacoreta
que Zaratustra encontrou na montanha. Retirado de tudo, em sua sábia ignorância, ele apenas rezava,
chorava e murmurava. Não sou
muito de rezar e de chorar, mas
acho um estranho prazer em murmurar. É o que estou fazendo pela
vida afora, inclusive nesta crônica
de volta ao trabalho.
Falei em Erasmo e no seu elogio
da loucura. Lembrei Nietzsche,
que, além do Zaratustra, elogiou o
ócio, mas advertiu: "Estou elogiando o ócio, não me refiro a vós, oh
preguiçosos!".
Atentai: estou elogiando a ignorância, mas não a burrice.
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