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TENDÊNCIAS/DEBATES
O voto deveria ser facultativo?
NÃO
Em defesa do voto obrigatório
CELSO ROMA
No seu famoso discurso como
presidente da Associação Americana de Ciência Política, em 1996, o
cientista político Arend Lijphart defendeu o voto obrigatório como solução para o problema da abstenção e da desigualdade nas eleições
dos Estados Unidos.
O testemunho dele alerta para
um dos riscos a que o Brasil estará
sujeito caso o Congresso Nacional
aprove emenda à Constituição para
tornar o voto facultativo.
A taxa de comparecimento eleitoral tende a ser menor em países
que adotam sistema de voto facultativo. Nos Estados Unidos, em
2008, 58% dos cidadãos com idade
para votar compareceram às urnas
para escolher o presidente, segundo o International Institute for Democracy and Electoral Assistance.
Nem o fenômeno Barack Obama
foi suficiente para motivar o registro e a votação em massa. Na eleição para o Congresso, em 2006, só
37% dos americanos votaram.
Por outro lado, nos países em
que há penalidades para quem se
ausenta da eleição e não se justifica
perante a Justiça, a maioria dos cidadãos exerce o direito ao voto. No
mesmo ano em que os americanos
elegiam Obama, 83% dos brasileiros marcaram presença na cabine
de votação, segundo informa o TSE
(Tribunal Superior Eleitoral).
Destes, 91% registraram voto válido na escolha do candidato a presidente. Apenas um em cada dez
eleitores votou em branco ou anulou o voto. Números semelhantes
foram observados nas eleições para
senador, deputado federal, governador e deputado estadual.
O problema está em que a abstenção eleitoral atinge em maior
grau grupos vulneráveis social e
economicamente. Nos Estados Unidos, os mais privilegiados votam
mais vezes. Cidadãos de baixa renda e pouca instrução se revelam
sensíveis aos custos de votar, deixando de se fazerem presentes se
há formalidade em excesso no registro voluntário do eleitor.
No Brasil, se o voto facultativo for
adotado, pode ocorrer um fenômeno semelhante. Um grupo social e
econômico será menos representado, conforme sugere o resultado da
pesquisa Datafolha realizada em
maio deste ano.
Ricos com escolaridade superior
e das capitais e regiões metropolitanas votariam mesmo se o voto se
tornasse facultativo. Enquanto os
pobres com ensino fundamental e
do interior se mostram mais dispostos a renunciar ao exercício do voto.
A lei do voto obrigatório, quando
aplicada rigorosamente, contribui
para melhorar as condições de vida
da população, sobretudo em países
em desenvolvimento, conforme
atestam vários estudos.
Quando o exercício do voto se estende aos mais pobres e menos escolarizados, há uma pressão para
que os governos adotem políticas
voltadas para o combate à pobreza
e à desigualdade.
Por último, e não menos importante, a obrigatoriedade faz com
que os eleitores busquem informação sobre a política, além de pressionar candidatos e partidos a incluir propostas para o segmento
mais amplo da sociedade.
Quando têm o dever de votar, os
cidadãos se informam e conversam
sobre política, aumentando o interesse pelo assunto.
Se o voto se tornar facultativo no
Brasil, pode haver um retrocesso na
democracia e no bem-estar social.
Em primeiro lugar, a mudança da
lei reduzirá o número de votantes.
Os menos escolarizados e mais pobres renunciarão, com maior frequência, ao exercício do voto.
Sem a pressão de setores da sociedade, os governos terão menos
incentivo para promover políticas
de distribuição de renda e combate
à pobreza. Os avanços obtidos ao
longo dos últimos 16 anos podem
estar comprometidos.
CELSO ROMA, 36, cientista político, é doutor pela
USP e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência
e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos
(INCT-Ineu).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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