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MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO
Know-how do Benefactor
LULA EXPRESSA um grão de
verdade ao dizer que, antes dele, a inerte classe dominante
aqui instalou-se desde Cabral. Certo é que suas práticas ascendem
pelo menos ao século 19 e hoje articulam-se à modernidade. A mistura entre público e privado, acoplada a favores e dinheiros, corrompe
em todos os níveis (governo, empresa, mercado, família); o Poder
Executivo centralizador e o monopólio de impostos lesam os entes
federados e propiciam o político
venal; a concentração da renda casa-se ao aliciamento de votos e à lisonja da massa dominada, sujeição
por ela aceita como se fosse para
seu próprio benefício.
Lula recolheu esses métodos,
que mobilizou com eficácia, ocultando (como é próprio a ideologias) o sentido exato do controle
social. Exemplo: recente pesquisa
levanta, no mesmo universo, juízos
excludentes: vida melhor e escassez de emprego. Tais registros medem opiniões cuja inconsistência
explica-se pela propaganda e assistencialismo, evidenciando crenças
que invertem o real: em nível de cidadania, não há vida boa sem trabalho; em nível econômico, não há
deflação capaz de suprir o salário
inexistente; os empregos restantes
conjugam-se a menor renda. Mas
nem todos caem na cilada. Modestos eleitores indecisos, no debate
da Globo, não discutiram caridade,
mas emprego, educação, saúde, escola, casa, ambiente, crédito. Ainda
resta virtude política.
Lula imita a técnica oligárquica,
imprimindo-lhe eficiência hightech. Fez inveja a Bush, que o cumprimentou pela espetacular vitória
e pediu-lhe "um pouquinho de seu
know-how". Que tal expandir o
"aid to families with dependent
children program"?
A encenação assistencial, acolchoando a violência do poder, virou negócio de Estado. O bônus ao
FMI, aplaudido como autonomia,
perfez-se com riqueza subtraída ao
cidadão. Isso basta para expor a
"vaziez" oportunista dos slogans
sobre as privatizações, ao exumar
um antigo tema de esquerda.
Quando as ilusões socialistas ainda
valiam, atos como os de Lula e seu
clube tinham nomes: havia imperialismo, os governos submissos
eram entreguistas, seus acólitos,
pelegos. Hoje, tudo isso faleceu, e
os cúmplices dessa morte reivindicam seu espólio, estereotipado na
fala eleitoral. A prosápia do triunfo
-o andar de baixo venceu o de cima- inverte-se ao ser exposta a
carga ideológica construída no
marketing: ao revés do velho jargão, Lula conota a direita ortodoxa,
inclusive no uso da polícia contra a
imprensa. O Benefactor superou o
oligarca.
Quando, nos anos FHC, escrevi
contra atos do poder, petistas diziam-se de alma lavada com meus
artigos. Hoje, mordem ou silenciam. Meu detergente é menos eficaz ou as almas estão mais encardidas?
MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO escreve às
quintas-feiras nesta coluna.
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