São Paulo, quinta-feira, 02 de novembro de 2006

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MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO

Know-how do Benefactor

LULA EXPRESSA um grão de verdade ao dizer que, antes dele, a inerte classe dominante aqui instalou-se desde Cabral. Certo é que suas práticas ascendem pelo menos ao século 19 e hoje articulam-se à modernidade. A mistura entre público e privado, acoplada a favores e dinheiros, corrompe em todos os níveis (governo, empresa, mercado, família); o Poder Executivo centralizador e o monopólio de impostos lesam os entes federados e propiciam o político venal; a concentração da renda casa-se ao aliciamento de votos e à lisonja da massa dominada, sujeição por ela aceita como se fosse para seu próprio benefício.
Lula recolheu esses métodos, que mobilizou com eficácia, ocultando (como é próprio a ideologias) o sentido exato do controle social. Exemplo: recente pesquisa levanta, no mesmo universo, juízos excludentes: vida melhor e escassez de emprego. Tais registros medem opiniões cuja inconsistência explica-se pela propaganda e assistencialismo, evidenciando crenças que invertem o real: em nível de cidadania, não há vida boa sem trabalho; em nível econômico, não há deflação capaz de suprir o salário inexistente; os empregos restantes conjugam-se a menor renda. Mas nem todos caem na cilada. Modestos eleitores indecisos, no debate da Globo, não discutiram caridade, mas emprego, educação, saúde, escola, casa, ambiente, crédito. Ainda resta virtude política.
Lula imita a técnica oligárquica, imprimindo-lhe eficiência hightech. Fez inveja a Bush, que o cumprimentou pela espetacular vitória e pediu-lhe "um pouquinho de seu know-how". Que tal expandir o "aid to families with dependent children program"?
A encenação assistencial, acolchoando a violência do poder, virou negócio de Estado. O bônus ao FMI, aplaudido como autonomia, perfez-se com riqueza subtraída ao cidadão. Isso basta para expor a "vaziez" oportunista dos slogans sobre as privatizações, ao exumar um antigo tema de esquerda.
Quando as ilusões socialistas ainda valiam, atos como os de Lula e seu clube tinham nomes: havia imperialismo, os governos submissos eram entreguistas, seus acólitos, pelegos. Hoje, tudo isso faleceu, e os cúmplices dessa morte reivindicam seu espólio, estereotipado na fala eleitoral. A prosápia do triunfo -o andar de baixo venceu o de cima- inverte-se ao ser exposta a carga ideológica construída no marketing: ao revés do velho jargão, Lula conota a direita ortodoxa, inclusive no uso da polícia contra a imprensa. O Benefactor superou o oligarca.
Quando, nos anos FHC, escrevi contra atos do poder, petistas diziam-se de alma lavada com meus artigos. Hoje, mordem ou silenciam. Meu detergente é menos eficaz ou as almas estão mais encardidas?


MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO escreve às quintas-feiras nesta coluna.

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