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CARLOS HEITOR CONY
Anatomia do vigarista
RIO DE JANEIRO - Um amigo
italiano pediu-me para traduzir
"mascalzone", classificação que
equivale a patife, a canalha. Num
primeiro instante, traduzi por "vigarista" -e logo me curvei ao peso
de graves responsabilidades
semânticas.
É evidente que, em versão grosseira, tudo estaria certo, mas, em
nossa língua, "vigarista" tem sutilezas que escapam a qualquer outra
classificação lingüística, mesmo em
se tratando de um idioma próximo
ao nosso, como o italiano. Vigarista,
todos nós sabemos, vem do conto-do-vigário ancestral, a lábia do sujeito que empulha o outro com uma
história complicada e fantástica e
dela tira vantagens.
Embora na prática possa até ser
um assassino ou um ladrão, o vigarista não chega a ser um criminoso.
É apenas um espertalhão, um cara
dotado de imaginação, lábia, coragem e sorte para desfechar o golpe.
O ladrão ou o assassino típicos sabem que apelarão para a violência
na fase final de suas ações.
O vigarista, em princípio, tem
horror à violência, é um pacifista.
Ele procura tirar a sua vantagem à
custa de palavras e gestos, no que se
parece com qualquer político, pregador ou moralista. Sua matéria-prima é o bem comum ou o bem do
próximo, embora, depois de seu beneficiamento particular, essa matéria-prima termine em dolo para os
outros e em lucro para o vigarista.
O exemplo clássico para essa prática seria o próprio conto do paco,
ou seja, do pacote de dinheiro que é
oferecido ao incauto. Ou do bilhete
de loteria premiado. O vigarista
modela a realidade, cria em cima do
fato, é um ilusionista, um escravo
da fantasia e do sonho.
É óbvio que deseja faturar em cima do sonho e da fantasia, prejudicando os outros. Mas, até certo
ponto, a arte não é uma vigarice? "A
Divina Comédia" não é um genial
conto-do-vigário?
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