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CARLOS HEITOR CONY
Cadê Mário?
RIO DE JANEIRO - Dois estudantes de direito, colegas na mesma faculdade, combinaram uma ida à gafieira mais famosa daquele final dos
anos 20. Ficava na praça 11 e tinha
nome enigmático: "Kananga do Japão". Era um perfume apreciado
pelas mulheres que os jornais catalogavam como de "vida fácil".
Ali tocava piano o maior compositor da época, Sinhô. Os dois estudantes queriam escutá-lo. Um deles, Ary Barroso, seria o sucessor
dele na história do samba. O outro,
Mário Reis, seria o maior divulgador de sua música, entre outras,
gravaria "Jura" -um dos maiores
sambas de todos os tempos.
Os dois formariam uma das duplas mais representativas da Idade
de Ouro de nossa música popular.
Pode-se dizer que Mário gravou o
último samba de Sinhô e o primeiro
de Ary. E durante os anos 30, em
que pese a atuação de grandes cantores, a voz dele e o jeito de cantar
formaram a trilha musical da infância de um garoto de Lins de Vasconcelos.
Marcel Proust precisou sentir o
gosto de um biscoito molhado no
chá para buscar o tempo perdido. O
menino de Lins de Vasconcelos ficou adulto. Uma tarde, dormiu com
o rádio de cabeceira ligado. Acordou com a voz de Mário Reis cantando baixinho: "Você partiu, saudades me deixou, eu chorei..."
Talvez nem tenha acordado. Ficou pendurado naquela voz que lhe
trouxe não o tempo perdido mas o
tempo desperdiçado: "No grande
teatro da vida vão levar mais uma
vez a revista colossal, pierrô, arlequim, colombina vão a preços populares repetir o Carnaval". O pai
não achava os preços tão populares
assim, mas comprou os lança-perfumes que cheiravam a Mário Reis,
só mais tarde cheirariam a mulheres.
Ele faria cem anos agora. Ficou
sua voz perguntando: "Cadê Mimi?" E o garoto perguntando: Cadê
Mário?
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