São Paulo, sábado, 03 de janeiro de 2009

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SÉRGIO DÁVILA

"Rivais 2 - A Missão"

ELE ESTAVA se sentindo tão bem acolhido que escreveu uma carta ao amigo, então embaixador dos EUA no Brasil: "O presidente tem me tratado sempre com tanta gentileza pessoal e tem manifestado sempre tamanha justiça e integridade de propósitos que eu não me sinto livre para abandonar minha confiança... Assim, sigo trabalhando". O autor é Salmon P. Chase, um dos presidenciáveis da corrida de 1860 à Casa Branca.
Na correspondência ao ex-editor James Watson Webb, então estacionado no Rio, mostrava-se inconformado por ter perdido a eleição para um advogado de Illinois relativamente desconhecido e sem experiência executiva, mas surpreso por ter sido convidado para fazer parte de seu governo.
Abraham Lincoln (1809-1865) chocou a política da época ao chamar Chase para ser seu secretário do Tesouro. Convenceu ainda outros dois que disputaram com ele a indicação do partido nas primárias, William H. Seward, que ficou com o Estado (no cargo, comprou o Alasca da Rússia), e Edward Bates, para secretário da Justiça.
Décimo-sexto presidente dos EUA, de 1861 e até ser assassinado, em 1865, o republicano manteve o país unido em um momento crítico. Fez isso também pela composição de um gabinete que ficou conhecido como "time de rivais".
Foi mais por pragmatismo que magnanimidade -sabia que era melhor manter os inimigos sob o mesmo teto e ao alcance da mão do que conspirando pelos salões de Washington. Sobre o fato de Chase continuar a atacá-lo mesmo já no governo, por exemplo, Lincoln diria que, "como a mosca azul, ele botaria seus ovos em qualquer lugar podre que encontrasse".
Eis o homem que inspira o 44º presidente, que toma posse em 17 dias. Não só porque ambos escolheram Illinois como berço político (Lincoln era do Kentucky, Barack Obama nasceu no Havaí) ou dividiram a mesma profissão. Os desafios são igualmente terríveis -Guerra Civil e escravidão então; guerras do Iraque e do Afeganistão e recessão histórica agora.
A admiração do democrata pelo republicano não é segredo. Ele já foi flagrado levando debaixo do braço o livro "Team of Rivals" (2005), o relato da vencedora do Pulitzer Doris Kearns Goodwin sobre o gabinete de Lincoln. Vai retraçar o roteiro de trem do republicano nos dias que antecedem a posse e fará o juramento na mesma Bíblia em que ele pousou a mão.
Além disso, Obama levou quatro ex-concorrentes para seu gabinete: Joe Biden como vice, Bill Richardson no Comércio, Tom Vilsack na Agricultura, Hillary Clinton no Estado. Desses, a ex-primeira-dama é a aposta mais arriscada. Como Chase em 1861, suas ambições presidenciais não morreram, apenas dormem.

SÉRGIO DÁVILA é correspondente em Washington.



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