São Paulo, domingo, 3 de janeiro de 1999

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JUSTIÇA SOCIAL E IMPACIÊNCIA

O que mais ressalta no discurso da segunda posse de Fernando Henrique Cardoso é o quanto o presidente conservou dos princípios e das diretrizes anunciados há quatro anos, no início do seu primeiro mandato.
Decerto ninguém de bom senso deveria esperar mudanças inopinadas. Mas a semelhança de idéias, se indica firmeza e consciência de atos e projetos, não deixa de causar certo incômodo, pois quatro anos se passaram e o próprio presidente sublinhou ontem que muito aprendeu tanto com os acertos como com os erros de seu primeiro governo. Mas ao fim do discurso ficou a impressão de que os erros não teriam sido relevantes o bastante para ser mencionados ou para fazer com que o início do novo mandato fosse marcado por um pronunciamento com novas ênfases, as quais procurariam dar conta das falhas passadas.
Um texto de posse, é óbvio, não dá o tom de todas as futuras ações do presidente. Mas as linhas decisivas de governo parecem ser conservadas. Sem dúvida FHC procurou enfatizar em seu discurso termos que indicam preocupação social e que, simbolicamente, fazem referência à centro-esquerda européia renovada: país solidário, democracia radical, democratização do mercado. A isso agregou frases como "pouco vale ao país ser a oitava economia mundial se continuarmos entre os primeiros na desigualdade social". Ou "o Brasil espera com impaciência por uma nação mais justa", por exemplo.
FHC sublinhou também o que de fato o seu primeiro governo fez para reduzir a injustiça social, embora seu balanço tenha sido algo otimista. Mencionou o fim da inflação, feito que hoje começa a ser injustamente menosprezado, os projetos de melhoria do ensino, a tentativa de dirigir os fundos públicos aos mais pobres, fundos tradicionalmente apropriados pelos que mais têm poder de pressão, sejam eles as corporações ou os economicamente mais privilegiados. Tais ações merecem apoio e aplauso. Mas ainda é pouco num país campeão em desigualdade, a qual permaneceu quase intocada nos últimos anos. O crônico drama social pede mais e novas ações. Mas o presidente não anunciou novidades.
A política central do governo, social e econômica, será ainda a estabilidade, o que é essencial, mas insuficiente. O discurso de ontem sugere que não se devem esperar inovações econômicas ou sociais que ajudem a minorar com mais rapidez a injustiça.
O presidente deixou claro que vai prosseguir no caminho das reformas econômicas e do Estado, algumas já tardias, e que fará o ajuste fiscal, cobrando compromisso do Congresso, o que é imprescindível e inadiável. Em suma, Fernando Henrique Cardoso reafirmou sua política econômica, lembrando que ela foi abalada por três graves crises internacionais - no que tem razão. Mas tal fato é um sinal de que essa crônica turbulência exige novas formas de encarar a condução da economia nacional.
A ainda lenta redução das agruras sociais e a presente e demasiada exposição do país aos percalços do mercado global sugerem que seria este o momento de repensar algumas linhas gerais da administração do Brasil. O presidente talvez tenha sido prudente em calar nessa hora de crise, guardando para o futuro próximo não discursos, mas ações que possam deixar "o Brasil menos impaciente por uma nação mais justa", segundo suas próprias palavras. É o que o país, ansiosamente, espera.



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