São Paulo, quinta-feira, 03 de fevereiro de 2005 |
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O conflito de Angra 3 não serve a ninguém
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
Na contramão, a fusão nuclear se viabilizou prematuramente, mas empacou muito cedo. E.U.A., Alemanha e, em certa medida, Inglaterra e alguns países da Escandinávia, interromperam seus programas nucleares. Não obstante, nesses mesmos países e em outros os investimentos em pesquisas continuaram a fluir. Vejamos por que essa aparente ambivalência veio a ocorrer. Técnicos e cientistas reconhecem que o conjunto de diferentes arquiteturas que atualmente dominam a produção de reatores nucleares e são englobadas em uma única classe tecnológica denominada "reatores de água leve" (LWR) é inerentemente inseguro. Que o leitor não se amedronte: vamos explicar essa qualificação por uma analogia com o pára-quedismo. No começo da Primeira Guerra Mundial dizia-se que em um terço dos saltos de pilotos o pára-quedas não abria. Aos poucos, a "tecnologia" e, conseqüentemente, a segurança, evoluiu. Os pilotos e as tropas foram obrigados a dobrar seus próprios pára-quedas, além da alça de abertura manual se instituiu uma segunda no avião, depois um segundo pára-quedas foi adicionado. Ou seja, por meio de uma sucessão de pequenas inovações à mesma tecnologia básica a segurança aumentou significativamente. Não obstante, até hoje, de vez em quando um pára-quedista civil ou militar se estatela no solo. É por isso que dizemos que o pára-quedas é inerentemente inseguro. Acidentes nucleares podem ser classificados em duas categorias. Aqueles que eram chamados no passado "Síndrome da China", ou seja, aqueles em que o núcleo do reator se funde, e os demais, em que há fuga de parcelas limitadas de material radioativo. Apenas o acidente de Chernobil (URSS), com seus milhões de vítimas, pertence à primeira categoria. O de Three Milles Island (E.U.A.), que poderia ter se tornado um outro, foi abortado inexplicavelmente. Os inúmeros outros, com e sem vítimas fatais, decorrem fundamentalmente de falha humana, quer no projeto, quer na operação. Os muitos indiscutíveis avanços tecnológicos praticamente eliminam a possibilidade desse segundo tipo de acidente e reduzem a probabilidade de fusão do núcleo do reator. Todavia, é consenso da comunidade que, no âmbito da tecnologia de água leve, é impossível atingir segurança absoluta, como também acontece com o pára-quedas. Angra 3 é um projeto de meados da década de 70, uma tecnologia obsoleta em um território em acelerada evolução. Seriam necessários US$ 2 bilhões para finalizá-la, e pouco conhecimento seria adicionado. Com esses recursos seria possível desenvolver e construir uma série de pequenos reatores (entre 100 e 300 MW), inclusive aqueles relativos às tecnologias ditas de altas temperaturas (HTR e VHTR), que são inerentemente seguros. Essa opção tem vantagens econômicas e estratégicas sobre as duas propostas dos dois ministérios em conflito. De um lado, é óbvia a importância de pequenos reatores em uma rede de distribuição extensa como a nossa. Em segundo, também não restam dúvidas quanto à enorme vantagem tecnológica e geopolítica da capacitação nacional na produção de reatores nucleares em confronto com a simples aquisição de mais um reator idêntico àquele já em operação e baseado em uma tecnologia em obsolescência. O que não pode ser subestimado, entretanto, é a importância de um programa dinâmico e fortemente nacionalizado em tecnologia nuclear. Rogério Cezar de Cerqueira Leite, 73, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e membro do Conselho Editorial da Folha. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Milú Villela: O tsunami nosso de cada dia Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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