São Paulo, sexta-feira, 03 de fevereiro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Marqueteiro: profissão perigo

LUCAS PACHECO

Não somos castos. Não somos candidatos a santos e não trabalhamos para candidatos santos. Somos profissionais fazendo o nosso trabalho. Trabalho duro, como o de qualquer trabalhador comum. Ao longo dos últimos anos, fomos achincalhados por uns e olhados com desconfiança por outros.
Mas somos muitos, hoje: publicitários, cientistas políticos, pesquisadores, roteiristas, produtores e diretores de televisão e rádio, jornalistas e fotógrafos, acompanhados por uma legião de figurinistas, eletricistas, maquinistas, maquiadores, motoristas, entre tantos outros. Em ano de eleição, somamos, pelos meus cálculos mais conservadores, uns 15 mil profissionais atuando no país.


Não somos castos. Não somos candidatos a santos e não trabalhamos para candidatos santos. Somos profissionais


Gente que faz seu trabalho, em boa parte com qualidade. É só lembrar o que você assistiu, ouviu ou leu nas últimas campanhas eleitorais para descobrir peças de comunicação memoráveis, talentosas, criativas e bem produzidas. Essa força de trabalho foi e é formada no "muque", na escola da vida -nada fácil. Não existe formação acadêmica específica para o profissional do mercado eleitoral no Brasil: um curso aqui, um seminário ali, é a mixórdia que temos.
Esse segmento do mercado de trabalho começou a existir para valer com a necessidade dos políticos de atender à legislação e executar peças de televisão e rádio para o famigerado horário eleitoral (nada) gratuito. Candidatos saíam à cata daquele publicitário esperto ou daquela pequena produtora de comerciais para produzir seus filmetes e spots.
E o mercado se expandiu, cresceu na mesma proporção que os partidos e seus candidatos. Pau que nasce torto...
Hoje, estamos acompanhando, em cada denúncia que surge, nas matérias de jornal ou nas capas de revista, o resultado de tanta deformação.
Trabalho nesse mercado desde 1985, entre outros ofícios. Assim, acompanhei de perto a evolução de muitos políticos e profissionais, bem como a involução das práticas e metodologias do atual "negócio eleitoral". É isso mesmo. Estou falando de um segmento do mercado de trabalho que não soube se impor e viveu durante todo esse período à mercê dos erros acumulados pela estrutura político-eleitoral brasileira e acabou virando um negócio para alguns.
A maior parte dos políticos brasileiros nunca respeitou os profissionais do chamado marketing político, mas precisa de seu talento e magia a cada dois anos. Existem as boas exceções, que infelizmente contamos nos dedos. Com um pouco de sorte, convivi com alguns desses poucos e bons políticos, mas também encarei picaretas memoráveis!
Remuneração é outro desrespeito. Não existe só caixa dois. Saibam que há caixa três, quatro, cinco... e por aí vai. Pior de tudo: todo mundo que trabalha nesse mercado já levou um "beiço", um "cano" ou um "xexo" (como dizem no Nordeste) em uma empreitada eleitoral.
Diferentemente do que ficamos sabendo por meio do noticiário dos últimos meses, a maioria das campanhas não tem contrato. É tudo feito no gogó: custa tanto, pago tanto e, ao final, sempre sobra alguma pendência que vai para as calendas -e essa regra vale tanto para os candidatos perdedores como para os vencedores.
Importante registrar que a maioria dos responsáveis por esses "contratos" é servil e aceita as regras impostas por grande parte das coordenações de campanha. É mercado de alto risco e insalubridade para quem milita nele. Mas essa massa de profissionais precisa sobreviver, e os candidatos, serem eleitos.
Estamos vivendo mais um ano eleitoral em meio a um vendaval, quando os holofotes estão voltados para os chamados "marqueteiros", termo odiado pela categoria, pois distorce e desrespeita o trabalho de profissionais que desenvolvem um ofício como tantos outros.
É preciso fazer alguma coisa de respeito a respeito da crise que se abateu sobre o marketing político. O que está posto, com uma grande dose de esperteza política, sabemos que não resolve nem contribui para uma moralização do setor.
Tenho ouvido respeitáveis senhores da Justiça falar em controle de caixa de campanha e mecanismos de cerceamento das arrecadações financeiras. Embora acredite que essas propostas sejam bem intencionadas, me desculpem, as considero baboseiras de quem nunca fez ou esteve nas entranhas de uma campanha eleitoral.
Da nossa parte, profissionais do marketing político -preferimos essa denominação, e também garanto isso-, precisamos (re)agir, contribuindo com os bons políticos (são poucos, mas eles existem) e buscando formas dignas, justas e honestas de remuneração -sem contas no exterior e exigindo contratos assinados e registrados, enfim, cobrando nossos direitos.
Existem campanhas de que me orgulho de ter feito e outras que me dão engulhos, como escrevi no começo desse artigo. Mas repito: nunca fizemos votos de castidade. Também não somos a Geni do processo eleitoral brasileiro, e muito menos mãe de juiz de futebol.
Tenho conversado com outros profissionais do ofício eleitoral e adianto aqui: muitos políticos terão uma enorme surpresa ao contratá-los neste ano.

Lucas Pacheco, 52, é jornalista, publicitário e consultor de marketing. Coordenou 12 campanhas eleitorais majoritárias no Brasil e em outros países da América do Sul, entre as quais as de Tasso Jereissati, Ciro Gomes e Roseana Sarney.


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