São Paulo, sábado, 03 de fevereiro de 2007

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FERNANDO GABEIRA

Depois da queda

A NOVA LEGISLATURA começou e estou quase de língua de fora. Fizemos o possível para melhorar o nível da disputa, conseguimos debates públicos e compromissos dos candidatos.
Aquele clima de festa junina da última eleição desapareceu. Fui muito questionado se agora as coisas vão ser melhores. Há algumas indicações positivas, outras que confirmam os erros do passado. Como estou no fogo, a única certeza é trabalhar pela melhoria, em qualquer hipótese.
No fundo, é um pouco o debate sobre aquecimento global. Não importa se dará ou não tempo para evitar o desastre. Em qualquer hipótese, é preciso resistir, ainda que para ganhar alguns aninhos, quem sabe um século.
No auge da campanha, tive de cuidar de um grande embaraço.
Numa entrevista que ainda nem foi publicada, há uma frase minha ofensiva a Brasília. Imediatamente escrevi um artigo no jornal local pedindo desculpas e, no dia seguinte, reapresentei-as formalmente ao governador. Jamais tive a intenção de associar a imagem da cidade, com seu pulsar cotidiano, a escândalos políticos do passado.
No entanto foi isso que aconteceu. Pode me ajudar a dar uma virada na vida. Sempre considerei um trabalho profissional atender rádios, jornais, televisão e blogs. E o tenho feito com alguma eficácia.
Percebi claramente que, para mim, é impossível falar oito horas sem dizer bobagens. Foram sessões de duas horas cada uma, no curso do meu trabalho normal.
Faltam-me condições para blindar todas as frases, impedir que se voltem como uma flecha contra mim. O trabalho do repórter é o trabalho dele. É fora de propósito esperar que telefone para você perguntando se era mesmo aquilo o que queria dizer. Sua tarefa é redigir a entrevista, enfatizar o que lhe parece mais atrativo para os seus leitores.
Soou para mim a hora de mergulhar. Escreverei e vou sempre tratar com a mídia das questões essenciais. Essa intimidade diante de um gravador e de um repórter, aparentemente, conhecedor do seu trabalho, não vale mais para mim.
Nos Estados Unidos, há assessores vigiando cada frase, cada silêncio, para evitar esse desastre. Os artistas, mais soltos, gozam de uma tolerância maior, embora também tenham de tomar os seus cuidados.
Nunca pareci tão estúpido a mim mesmo quando vi essa frase estampada. Portanto, adeus entrevistadores de matérias "humanas". Mesmo que isso signifique também adeus a qualquer tipo de ascensão política. No fundo, tanto as frases estúpidas, em público, como a ascensão política não são necessárias à minha vida.


assessoria@gabeira.com.br

FERNANDO GABEIRA
escreve aos sábados nesta coluna.


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