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TENDÊNCIAS/DEBATES
A queda na Bolsa da China sugere uma bolha especulativa no mercado financeiro mundial?
NÃO
A China tropeça, e agora?
PAULO TENANI
NEM É preciso dizer que esta
foi uma semana bastante
complicada para os mercados
financeiros globais. A queda de 9% no
índice de Xangai, na terça, foi a maior
correção no mercado de ações chinês
dos últimos dez anos e desencadeou
um processo de venda generalizada
de ativos de risco, que derrubou as
Bolsas ao redor de todo o mundo.
O ajuste foi sério, sob várias medidas. Perdas de 3,5% em um único dia,
como a observada na Dow Jones,
ocorreram em apenas 0,2% dos pregões, enquanto o tombo de 7,2% no
volátil mercado de ações brasileiro foi
simplesmente o pior desde o 11 de Setembro de 2001. Teria sido só uma
correção natural nos mercados financeiros globais após oito meses consecutivos de ganhos? Ou haveriam forças mais nocivas -talvez o estouro de
uma bolha especulativa que jogaria o
mundo num cenário de estagnação?
Os dados e o contexto atual são as
chaves para respondermos a essas
questões. Por exemplo, os dados, à
primeira vista, levam a uma conclusão errônea: a de que existe nos mercados de risco uma bolha especulativa
grande o suficiente para estourar sobre seu próprio peso e envolver, também, toda a economia global.
Afinal, não foi apenas a Bolsa de
Xangai que se valorizou 140% em
2006. Desde o final de 2001, os retornos obtidos com investimentos em
todos os ativos de risco foram excepcionais, a ponto de a recente correção
nos mercados globais -por mais violenta- ter apenas um efeito marginal
sobre os ganhos acumulados.
Os números não mentem. Desde o
final de 2001, e já ajustando para terça, as Bolsas de Valores emergentes se
valorizaram em média 197%: Europa
emergente, 396%; América Latina,
259%; Ásia emergente, 142%; Brasil,
286%. Retornos excepcionais repetiram-se também em outros mercados
de risco -renda fixa emergente, commodities e imóveis-, hoje todos eles
em seus máximos históricos, e muito,
muito acima de suas médias antes de
2001. Assustador, não?
Nem tanto. Preços excessivamente
elevados nem sempre indicam excessos ou bolhas especulativas e podem,
na verdade, ser o resultado de forças
fundamentais. É o que ocorre hoje.
Por exemplo, desde meados da década de 90, as taxas de juros reais vêm
gradativamente cedendo na economia mundial: de um máximo de 7%
em 1994 para menos de 2% em 2007.
Bem, o efeito de tamanha redução
nos juros reais sobre o preço dos ativos de risco é impressionante.
Alguns cálculos são ilustrativos.
Por exemplo, um ativo que pague, por
ano, e em termos reais, um dividendo
médio de R$ 1, seria negociado, em
1994, a R$ 14,29. Hoje, pagando esse
mesmo dividendo médio, mas com
taxas de juros reais abaixo de 2%, esse
ativo seria negociado acima dos R$
50. Ou seja, uma valorização de 250%
só no efeito da queda dos juros.
Tal cenário de juros globais baixos
-e ativos de risco com preços elevados- chegou para ficar. Não apenas o
mundo desenvolvido sobreacumulou
capital durante a década de 90, o que
reduz a produtividade marginal e as
taxas de juros reais de equilíbrio, como também o envelhecimento da população dos países desenvolvidos
acentuará ainda mais essa tendência.
Ou seja, existem fatores fundamentais apontando na direção de juros
reais ainda mais baixos e que vão muito além da visão tradicional e de curto
prazo -de que o excesso de liquidez
global é resultado de uma decisão
temporária dos Bancos Centrais dos
países desenvolvidos que, mais cedo
ou mais tarde, será revertida.
Mas o argumento vai além. Não só
as taxas de juros globais permanecerão baixas por um longo período de
tempo como também a globalização
será o mecanismo pelo qual essas baixas taxas de juros serão transmitidas
para os países emergentes que não sobreacumularam capital na década de
90 e tampouco sofrem com o envelhecimento de suas populações.
Ou seja, depois das crises do México, da Ásia, da Rússia, do Brasil e da
Argentina, a globalização finalmente
caminha na direção de permitir uma
forte redução nas taxas de juros dos
países emergentes e, portanto, de
uma valorização fundamental não especulativa de seus ativos de risco.
PAULO TENANI é chefe de pesquisa para a América Latina do UBS Pactual Wealth Management e professor de finanças internacionais da Fundação Getúlio Vargas.
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