São Paulo, sábado, 03 de março de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A queda na Bolsa da China sugere uma bolha especulativa no mercado financeiro mundial?

NÃO

A China tropeça, e agora?

PAULO TENANI

NEM É preciso dizer que esta foi uma semana bastante complicada para os mercados financeiros globais. A queda de 9% no índice de Xangai, na terça, foi a maior correção no mercado de ações chinês dos últimos dez anos e desencadeou um processo de venda generalizada de ativos de risco, que derrubou as Bolsas ao redor de todo o mundo.
O ajuste foi sério, sob várias medidas. Perdas de 3,5% em um único dia, como a observada na Dow Jones, ocorreram em apenas 0,2% dos pregões, enquanto o tombo de 7,2% no volátil mercado de ações brasileiro foi simplesmente o pior desde o 11 de Setembro de 2001. Teria sido só uma correção natural nos mercados financeiros globais após oito meses consecutivos de ganhos? Ou haveriam forças mais nocivas -talvez o estouro de uma bolha especulativa que jogaria o mundo num cenário de estagnação?
Os dados e o contexto atual são as chaves para respondermos a essas questões. Por exemplo, os dados, à primeira vista, levam a uma conclusão errônea: a de que existe nos mercados de risco uma bolha especulativa grande o suficiente para estourar sobre seu próprio peso e envolver, também, toda a economia global.
Afinal, não foi apenas a Bolsa de Xangai que se valorizou 140% em 2006. Desde o final de 2001, os retornos obtidos com investimentos em todos os ativos de risco foram excepcionais, a ponto de a recente correção nos mercados globais -por mais violenta- ter apenas um efeito marginal sobre os ganhos acumulados.
Os números não mentem. Desde o final de 2001, e já ajustando para terça, as Bolsas de Valores emergentes se valorizaram em média 197%: Europa emergente, 396%; América Latina, 259%; Ásia emergente, 142%; Brasil, 286%. Retornos excepcionais repetiram-se também em outros mercados de risco -renda fixa emergente, commodities e imóveis-, hoje todos eles em seus máximos históricos, e muito, muito acima de suas médias antes de 2001. Assustador, não?
Nem tanto. Preços excessivamente elevados nem sempre indicam excessos ou bolhas especulativas e podem, na verdade, ser o resultado de forças fundamentais. É o que ocorre hoje. Por exemplo, desde meados da década de 90, as taxas de juros reais vêm gradativamente cedendo na economia mundial: de um máximo de 7% em 1994 para menos de 2% em 2007.
Bem, o efeito de tamanha redução nos juros reais sobre o preço dos ativos de risco é impressionante.
Alguns cálculos são ilustrativos. Por exemplo, um ativo que pague, por ano, e em termos reais, um dividendo médio de R$ 1, seria negociado, em 1994, a R$ 14,29. Hoje, pagando esse mesmo dividendo médio, mas com taxas de juros reais abaixo de 2%, esse ativo seria negociado acima dos R$ 50. Ou seja, uma valorização de 250% só no efeito da queda dos juros.
Tal cenário de juros globais baixos -e ativos de risco com preços elevados- chegou para ficar. Não apenas o mundo desenvolvido sobreacumulou capital durante a década de 90, o que reduz a produtividade marginal e as taxas de juros reais de equilíbrio, como também o envelhecimento da população dos países desenvolvidos acentuará ainda mais essa tendência.
Ou seja, existem fatores fundamentais apontando na direção de juros reais ainda mais baixos e que vão muito além da visão tradicional e de curto prazo -de que o excesso de liquidez global é resultado de uma decisão temporária dos Bancos Centrais dos países desenvolvidos que, mais cedo ou mais tarde, será revertida.
Mas o argumento vai além. Não só as taxas de juros globais permanecerão baixas por um longo período de tempo como também a globalização será o mecanismo pelo qual essas baixas taxas de juros serão transmitidas para os países emergentes que não sobreacumularam capital na década de 90 e tampouco sofrem com o envelhecimento de suas populações.
Ou seja, depois das crises do México, da Ásia, da Rússia, do Brasil e da Argentina, a globalização finalmente caminha na direção de permitir uma forte redução nas taxas de juros dos países emergentes e, portanto, de uma valorização fundamental não especulativa de seus ativos de risco.


PAULO TENANI é chefe de pesquisa para a América Latina do UBS Pactual Wealth Management e professor de finanças internacionais da Fundação Getúlio Vargas.

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