São Paulo, sábado, 03 de março de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A queda na Bolsa da China sugere uma bolha especulativa no mercado financeiro mundial?

SIM

Bolhas que causam enxaqueca

ANTONIO CORRÊA DE LACERDA

A VOLATILIDADE da Bolsa de Xangai nessa semana jogou um pouco de água fria no frenesi global. Desde 2002, a economia mundial vive sua melhor fase desde a década de 1970. A ampla liquidez mundial propiciou o crescimento médio do PIB (Produto Interno Bruto) de 4,7% ao ano, do comércio internacional, de 7%, e dos fluxos de investimento direto estrangeiro, de espetaculares 28% ao ano. O aquecimento da demanda alavancou os preços das commodities, acumulando uma alta próxima de 60% no período.
Os EUA, como emissores privilegiados da principal moeda de referência internacional, podem se dar ao luxo de manter o crescimento e de abastecer-se de manufaturas oriundas da China, gerando um déficit externo superior a US$ 900 bilhões ao ano, que, em termos de necessidades de financiamento, devem ser somados a um déficit orçamentário da ordem de US$ 300 bilhões.
A deflação provocada pela invasão chinesa compensou a inflação das commodities. A desinflação e a liquidez propiciaram que os EUA se financiassem a taxas de juros reais módicas. Os ajustes microcirúrgicos na calibragem das taxas de juros conduzidos por Greenspan, depois Bernanke, após o estouro da bolha da "exuberância irracional" na Bolsa de Nova York de 2000-2001 permitiram recuperar a atividade e, mais recentemente, pavimentar o caminho da "aterrissagem suave", pelo que, a essa altura, (quase) todos torcem.
A globalização financeira foi catapultada pela sofisticação dos fundos mútuos, de pensão e de hedge, os mercados de capitais, de câmbio de derivativos, entre outros. Tudo isso facilitado por inovações tecnológicas que diminuíram dramaticamente os custos de transação, agilizaram o fluxo de informações e interligaram os mercados on-line, 24 horas por dia.
Essa opulência, sob a supremacia do dólar norte-americano, ao mesmo tempo que viabilizou o financiamento da globalização produtiva, potencializou a volatilidade e a instabilidade dos mercados financeiros globais.
Enquanto isso, os países não emissores de moedas conversíveis adotaram uma clara estratégia de ampliação das suas reservas cambiais, hoje estimadas em US$ 3 trilhões, e, em grande parte, aplicadas em títulos do Tesouro norte-americano.
O quadro de liquidez incentivou as operações "carry trade", a tomada de recursos a juros reais baixos, muitas vezes negativos, para especular em fundos de commodities, mercados imobiliários e de capitais etc. Esse processo não é uniforme. Há, certamente, bolhas infladas, assim como descasamentos não suficientemente cobertos, mesmo em mercados relativamente maduros, como os EUA, por exemplo.
No caso chinês, essa possibilidade se torna ainda mais arriscada. A China já é a segunda maior economia mundial, considerando-se o PIB por paridade de poder de compra, próximo de US$ 10 trilhões, e que cresce 10% ao ano.
Mas ainda prevalecem muitas dúvidas. Pouco se sabe da qualidade dos créditos dos bancos estatais e dos ativos do ainda incipiente mercado de capitais. Os tais princípios da governança corporativa, muito menos do desenvolvimento sustentável, ainda não chegaram àquelas paragens. O que até agora não tem impedido a verdadeira "corrida ao ouro" chinês.
As significativas imbricações entre os mercados dos países e entre esses e a economia real tornaram o jogo cada vez mais complexo e volátil.
A crescente interdependência entre os países amplia o desafio dos bancos centrais e dos órgãos multilaterais para a gestão da (des)ordem econômica. Muito provavelmente, os ajustes em curso nos preços dos ativos nas Bolsas não devem mudar substancialmente o quadro relativamente positivo de expansão global. Mas as bolhas especulativas em muitos mercados ainda vão dar muita dor de cabeça. Se isso serve de consolo, estamos (quase) todos no mesmo barco, de Xangai a Xapuri.


ANTONIO CORRÊA DE LACERDA, doutor pelo Instituto de Economia da Unicamp, é professor do Departamento de Economia da PUC-SP e autor, entre outros livros, de "Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil".

aclacerda@pucsp.br


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