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MARCOS NOBRE
A nova
direita
NÃO FAZ MUITO tempo, a esquerda tinha conseguido
estabelecer alguns sólidos
pontos de partida do debate político. Aplicar pena de prisão não diminui a criminalidade, porque o
crime não é apenas ação de um indivíduo, mas falha de toda uma sociedade. O desemprego não é culpa
do desempregado, mas de um sistema econômico que produz injustiça. O progresso material só significa progresso social e político se
houver uma justa e solidária distribuição da riqueza. E por aí vai.
Essas posições foram desafiadas
e derrotadas. Nos últimos 30 anos,
enquanto movimentos e grupos
sociais reivindicavam mais liberdade, uma esquerda tradicional
respondeu de maneira tradicional:
liberdade só com igualdade primeiro. Recusou-se a ver que havia ali
um problema real, que a promoção
da igualdade não produz automaticamente pessoas autônomas. Ao
invés de aceitar o desafio de pensar
uma nova relação entre liberdade e
igualdade, boa parte da esquerda
perdeu-se em discussões bizantinas como a das causas da queda do
decrépito bloco soviético.
Enquanto isso, a direita se apresentou em nova roupagem, como
paladino da liberdade e mãe da democracia -quando se sabe que a
democracia de massas foi em larga
medida uma conquista do movimento operário contra a direita,
que entrava em pânico só de pensar no voto universal secreto. A nova direita ocupou um a um os espaços disponíveis nos meios de
comunicação de massa e na esfera
pública, em um combate cotidiano
contra as teses de esquerda então
dominantes. Venceu e transformou a sua vitória em poder
institucional.
O resultado foi uma guinada nos
pontos de partida do debate político. O que se pede hoje de todos os
lados é mais prisão, mais responsabilização dos indivíduos, mais progresso material puro e simples. E
por aí vai. É nisso que consiste a
atual hegemonia da direita.
A nova direita vê a forma atual da
democracia como imutável, como
o "fim da história". Avalia toda tentativa da esquerda de transformar
a democracia como um ataque à
liberdade. Mas, ao mesmo tempo,
não vê problema em aceitar -como fez a Folha a propósito da ditadura militar brasileira- o revisionismo histórico e gradações no
autoritarismo.
A atual crise econômica pode alterar esse quadro. Esse é o maior
temor da nova direita hegemônica.
Mas isso só tem chance de acontecer se a esquerda for capaz de fazer
o combate de ideias no espaço público sem continuar a pressupor
que seus pontos de partida seguem
inquestionáveis. Convencer pessoas que já estão convencidas é puro conformismo.
nobre.a2 uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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