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Anemia verde
Brasil se atrasa em investimentos com vistas
à economia de baixo carbono, mesmo partindo de uma posição invejável
ASSIM COMO se fala de
"doença holandesa", o
declínio industrial que
pode suceder um surto
de exportações propiciado por
exploração de recursos da natureza, um dia o Brasil poderá figurar em compêndios de história
econômica como exemplo do
"mal do berço esplêndido". Acomodado na abundância desses
recursos -terra fértil, sol, chuvas, florestas, minérios, potencial hidrelétrico-, o país não investe como deveria em inovação
para extrair renda desse capital
sem dilapidá-lo.
Em lugar de desenvolver-se
como uma economia de base natural pujante, com olhos no futuro de baixo carbono, o Brasil
atrasa-se na trilha do crescimento "verde". Foi o que mostrou domingo reportagem da Folha.
No pacote de estímulos fiscais
do governo federal para contra-arrestar a crise financeira de
2008, apenas 5% dos recursos
anticrise mobilizados o foram
em benefício de setores "limpos", como o de veículos bicombustíveis. Na média de 17 grandes economias mundiais, o percentual ultrapassou 16%.
O Brasil é um país que já conta
com uma matriz elétrica excepcionalmente renovável, graças
ao uso intensivo de represas para produzir eletricidade. A média mundial fica em 18% de fontes renováveis, enquanto aqui o
percentual atinge 87%.
Mas o planejamento oficial
prevê um retrocesso, com o aumento relativo das usinas termelétricas a combustível fóssil
-óleo, gás e carvão. A capacidade instalada deve aumentar 45%
de 2010 a 2012, contra 18% da
geração a partir de biomassa (bagaço de cana, por exemplo). Até
2017, a participação hidráulica
na geração cairá de 80% para
71% e a de fontes não renováveis
subirá para 19%.
O governo federal se escuda na
lentidão do processo de licenciamento ambiental das grandes
centrais hidrelétricas, mas faltam investimento em tecnologia
e incentivo para modalidades renováveis. O programa de fomento a fontes alternativas (Proinfa)
prossegue modesto. Mesmo triplicando a capacidade de usinas
eólicas em dois anos, chegaremos a 3.000 megawatts (MW)
instalados. É muito pouco para
um país com potencial eólico
-provavelmente subestimado-
de 140 mil MW, o equivalente a
dez hidrelétricas de Itaipu.
Até no caso do álcool o país pode ficar para trás. Basta que frutifique o investimento anual de
US$ 1 bilhão dos EUA na tecnologia de álcool celulósico, o que
pulverizaria a atual vantagem do
etanol de cana sobre o de milho.
Para comparação, toda a pesquisa nacional no setor recebe menos de US$ 95 milhões ao ano,
segundo estimativas.
O governo Lula parece mesmerizado com o pré-sal, como
sintetizou o físico José Goldemberg. Não se deu conta ainda de
que o petróleo, embora possa e
deva ser explorado, é o combustível do passado. É preciso mudar essa lógica, o que não se faz
apenas com retórica.
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