São Paulo, quarta-feira, 03 de março de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Outra devassa, por favor!

SÃO PAULO - A decisão do Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária) de proibir a propaganda da cerveja Devassa Bem Loura, com a socialite Paris Hilton, é algo que "não desce redondo".
É difícil reagir sem ironia às alegações da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, órgão ligado à Presidência que denunciou a peça publicitária por considerá-la "sexista" e "desrespeitosa". A responsável pela acusação diz que é preciso cuidar "para que a mulher não seja tratada como um produto".
Estamos de acordo, mas de que "catacumba 68" saíram essas senhoras? Não há como evitar a comparação: Paris Hilton, a "devassa", é loira, americana e milionária. Os arautos da dignidade reclamariam providências se, no lugar dela, estivesse a nossa Juliana Paes, "a boa"?
As coisas se passam como se, com a censura, pudéssemos traçar uma linha imaginária entre a nossa sensualidade brejeira e a pornografia dos outros, entre o louvor à "preferência nacional" e a mera apelação vulgar, entre a "virtude" e o "vício".
Um site de publicidade americano debochou de nosso falso pudor, perguntando se "Paris Hilton seria sexy demais para o Brasil". Só falta agora Marco Aurélio Garcia vir pregar contra o "esterco publicitário" em defesa do adubo nacional.
Paris Hilton não é mesmo uma figura que inspire muita admiração. Mas que diferença existe entre ela, sempre tão hostilizada, e os socialites, descolados, artistas e que tais que desfilam com marcas de cerveja no peito em troca de privilégios e luzes nos espaços vips do Carnaval?
Ao identificar, sem mediações, mulher e cerveja como objetos de desejo, a peça da "devassa" arromba a porta já aberta de um espetáculo que se fingia ver pela fechadura. A propaganda não é mais sexista nem mais agressiva com as mulheres do que a grande maioria das que vendem carro, por exemplo. Mas testa, no seu didatismo digno de um roteiro pornô, os limites da permissividade a serviço da mercadoria. A censura é sempre a pior maneira de proteger a sociedade de si mesma.


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