São Paulo, sábado, 03 de abril de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O PT sabe lidar com os movimentos sociais?

SIM

Uma história de luta social

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY

O PT é um partido extremamente preparado para lidar com os movimentos sociais porque a sua própria história é inextricavelmente ligada à história dos principais movimentos sociais havidos no Brasil nos últimos 25 anos. Primeiro, porque o partido foi concebido exatamente a partir da concepção de que os trabalhadores precisariam se organizar eles próprios, com o apoio dos mais diversos segmentos de intelectuais, professores, profissionais liberais e outros, para exercerem plenamente seus direitos à cidadania.
No final da década de 70, em meio ao regime militar, cada vez mais conscientes de que, para ter efetiva voz nos destinos do país, para influenciar as decisões de quem governava e, sobretudo, tomava decisões que afetavam profundamente a vida dos trabalhadores, era importante que estes reorganizassem a sua forma de participação, resolvemos fundar o PT. Assim, essas forças identificaram-se com as lutas dos metalúrgicos do ABC por justa remuneração, melhores condições de trabalho e liberdade de organização e expressão de suas idéias.
O PT nasceu com a marca da solidariedade, como era a característica dos fundos de greve. Também da tolerância e do respeito às diferenças. Assim, reuniu movimentos cristãos, marxistas, trotskistas, socialistas, humanitários, de gênero, sempre norteado pelos princípios de defesa intransigente dos direitos humanos. Eram em grande parte petistas os que combateram a alta do custo de vida, no Movimento Nacional contra a Carestia.
Por ocasião da luta pela anistia dos que haviam sido perseguidos, torturados e cassados pelo regime militar, um contingente enorme de petistas abraçou a causa até que ela se tornasse vitoriosa. Para que se restabelecessem no Brasil as eleições livres e diretas para prefeitos das capitais, para governadores e para a Presidência da República, o PT constituiu-se em força pioneira e fundamental, ao lado de outras, para que o povo saísse às ruas aos milhões a fim de expressar com toda a força o mais legítimo anseio de liberdade e democracia.
Quando o primeiro presidente eleito diretamente pelo povo mostrou que estava quebrando os princípios da administração pública, esteve o PT na linha de frente para apurar os fatos e para novamente conclamar que o povo saísse às ruas na defesa da ética na política.
Contemporâneo do nascimento do PT é o MST, o movimento dos trabalhadores sem terra que resolveram se mobilizar para mostrar ao país a necessidade urgente de acelerar a reforma agrária. Para corrigir a brutal concentração de renda e riqueza que caracteriza o Brasil, é mister assentar milhões de famílias que desejam cultivar a terra e viver com dignidade no campo. Os próprios membros do MST, mesmo atuando de maneira independente do PT, sempre souberam ver no partido o seu parceiro solidário, que, em muitas ocasiões, foi crítico de desvios e abusos eventualmente cometidos.
Da mesma forma, como irmãos que nascem juntos, fundaram-se as centrais sindicais, principalmente a Central Única dos Trabalhadores, CUT, um dos mais fortes movimentos sociais do Brasil contemporâneo. Foi ainda o PT o porto para o fortalecimento de tantos movimentos organizados, como o os das mulheres e dos negros pela igualdade de direitos.
Com essa bagagem, ao chegar aos governos, o PT tem se aberto à prática dos instrumentos que têm visado sobretudo a maior participação de todos nas suas decisões, a exemplo do Orçamento Participativo, de grande relevância nos municípios. Na aplicação dos programas sociais de transferência de renda, como o Renda Mínima, Bolsa-Escola e Bolsa-Família -a inserção dos governos do PT nos movimentos sociais tem feito com que estes programas estejam continuamente sob avaliação crítica e aperfeiçoamento.
O estímulo às formas cooperativas de produção, as práticas de bancos do povo e de microcrédito resultam também do amadurecimento dessas proposições formuladas pelos mais diversos movimentos sociais.
É claro que, quando se está no governo, surgem as limitações referentes à impossibilidade de fazer tudo aquilo que se desejaria, simultaneamente e na extensão pela qual sempre se batalhou. Mas aí vem a importância de dizer com a franqueza devida aos companheiros de tanto tempo o que é possível, abrindo-lhes todas as informações. Nem sempre as respostas são as mais convincentes. E é natural, então, que surjam divergências, por vezes duras. Para que não se perca a ternura e o respeito nessas ocasiões, é preciso que cada governo se abra inteiramente para mostrar a natureza de todas as suas prioridades e limitações.


Eduardo Matarazzo Suplicy, 62, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), senador pelo PT-SP, é professor da Eaesp-FGV.


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