São Paulo, domingo, 03 de abril de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

João Paulo 2º, o gigante da fé

GERALDO MAJELLA AGNELO

O santo padre está em condições muito críticas de saúde e o sofrimento pelo qual passa nestes dias suscita, no mundo inteiro, encontros de oração e de reflexão para, de alguma maneira, participarmos dessa etapa decisiva da existência. A dor pelas circunstâncias nas quais encontra-se o santo padre é tão grande quanto a gratidão pela sua vida, pela sua presença segura de guia, sumo pastor das comunidades católicas espalhadas pelo mundo.
A personalidade do santo padre é de tal maneira rica que ele aparece aos nossos olhos como pessoa extraordinária. Por isso o papa é estimado e amado não só por quem reconhece nele o sinal visível de Jesus Cristo ressuscitado, presente para guiar o seu povo, vigário de Cristo na terra, mas também por pessoas de outras religiões e por jovens que estão em busca de exemplos nos quais se inspirar para a construção da própria vida.
Sua experiência humana, particularmente conturbada desde a primeira infância, levou-o a valorizar o homem, cada pessoa humana, na busca de realização e de felicidade, procurando a satisfação capaz de permanecer na variação das circunstâncias da existência. O papa desde logo compreendeu que, quando a pessoa realiza o desígnio de Deus, realiza simultaneamente o bem para a sociedade, a verdadeira utilidade da vida e o seu próprio bem pessoal. Por isso a personalidade do santo padre não cabe nos esquemas estreitos das diversas ideologias que sempre tentam reconduzi-lo nos limites de suas estratégias.
O interesse pelo homem concreto que luta e que espera, que sofre, ama e trabalha caracterizou seus discursos, documentos, encontros, viagens. Nessa perspectiva, deve-se compreender o apreço pela liberdade e a democracia, os direitos humanos e a justiça social como bens inestimáveis, condições indispensáveis para que cada pessoa possa responder ao desejo de felicidade, respondendo ao desígnio de Deus.
"Abri as portas a Cristo!" foram as primeiras palavras que pronunciou, ao ser eleito papa, pois Jesus, o filho de Deus encarnado, é o redentor do homem, do cosmos e da história. Encontrando Jesus Cristo, a pessoa floresce e desenvolve suas capacidades de maneira a aumentar a compreensão da realidade que a cerca e a dilatar os limites do próprio coração. A grandeza humana atinge sua máxima expressão na amizade com Cristo. Além de constituírem essas coisas pontos essenciais do ensinamento do papa, a verdade delas documenta-se na maneira de conduzir sua vida e enfrentar os problemas. Nesse sentido, pode-se reconhecer um estreito entrelaçamento entre o magistério pontifício, o que ele nos ensinou por documentos e discursos realizados nos 27 anos de pontificado, e sua concreta maneira de viver. Reflexão e testemunho fundem-se nele numa coisa só, e, certamente, esta é uma das razões que explicam o fascínio de sua personalidade.


A personalidade do santo padre é de tal maneira rica que ele aparece aos nossos olhos como pessoa extraordinária
Quando, em 1981, foi mortalmente ferido na praça de São Pedro, o sangue derramado lembrou o sangue dos mártires que pagavam com a vida o testemunho de Cristo, incômodo aos poderosos do momento. Era o dia 13 de maio, festa de Nossa Senhora de Fátima, e o santo padre atribuiu à sua proteção a preservação de sua vida. Foi grande a comoção do mundo ao vê-lo perdoar e abraçar o homem que tentou assassiná-lo. Fala ao nosso coração e continua sendo provocação a seguir o seu exemplo, segundo as palavras de Jesus: "Amai os vossos inimigos, fazei o bem àqueles que vos perseguem".
Muitas vezes o papa nos lembrou que o homem se realiza somente no amor, isto é, no dom sincero de si para o bem, para a felicidade do outro. E apontava o exemplo de Jesus, especialmente na cruz, ao dar sua vida para o bem, para a felicidade de outros, inclusive dos que o crucificaram. Nós o conhecemos como o papa peregrino, que percorreu centenas de milhares de quilômetros para encontrar as comunidades católicas, para conversar com os líderes de outras religiões, em busca de pontos de contato, para dialogar com os homens de cultura, para encontrar as famílias, os jovens, os trabalhadores, os povos indígenas, a todos oferecendo palavras de solidariedade, de conforto e indicando o ideal segundo o qual a vida pode se tornar grande e cheia de significado e utilidade, beleza e redenção: Jesus Cristo.
Nas viagens pelo Brasil, estabeleceu com o povo sintonia e recíproca simpatia, suscitando admiração de todos. "João de Deus" foi amado e aplaudido pelas cidades onde passou, não como manifestação do folclore religioso local, mas como o reconhecimento de uma presença humana extraordinária, através da qual o próprio Cristo ressuscitado se faz presente em nosso tempo.
O santo padre se prepara para a última grande viagem, de volta para o Pai! Ele, de maneira tão forte, participou na terra da cruz de Cristo. Certamente vai tomar parte da sua glória. Queremos acompanhá-lo com a oração, com o coração comovido e cheio de dor, com gratidão e com a certeza de que a vitória de Cristo sobre a morte o conduz para a feliz morada eterna. Cabe-nos retornar sobre sua vida e seus ensinamentos, para compreender melhor seu significado para nós, aprender dele aquela grandeza que admiramos. Diferentemente dos heróis, que ninguém pode imitar, os santos indicam um caminho que é possível para qualquer um: o santo padre nos convida a o seguir na santidade da entrega total a Cristo, em quem se encontra a plena realização humana.

Dom Geraldo Majella cardeal Agnelo, 71, arcebispo de Salvador (BA) e arcebispo primaz do Brasil, é o presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

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