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KENNETH MAXWELL
Doutores
NAS DUAS ÚLTIMAS semanas, surgiu um acirrado
debate sobre quem pode e
quem não pode usar o título
"doutor". A disputa não se refere ao
tradicional uso de "doutor" para
designar os médicos. Ela se refere
aos doutores Ph.D em outras disciplinas acadêmicas e se eles podem,
ou se devem, se fazer chamar de
"doutores".
A controvérsia começou quando
diversos distintos pesquisadores
norte-americanos com doutorados
por universidades como Cornell,
Texas e CalTech, recrutados pelo
prestigioso Instituto Max Planck,
da Alemanha, se tornaram alvo de
acusações criminais, a pedido do
Ministério da Educação do Estado
da Turíngia, por usarem o título
"doutor", algo a que não teriam direito sob as leis da Alemanha. Caso
condenados, eles poderiam passar
até um ano na cadeia. Uma lei nazista de 1939 restringe o uso do título "doutor" apenas aos alemães.
A lei foi atualizada em 2001 a fim
de estender os privilégios de ser
"doutor" na Alemanha aos outros
cidadãos da União Européia; mas
não aos norte-americanos, brasileiros ou japoneses, cujos doutorados continuam a não ser reconhecidos na Alemanha.
Trata-se de assunto muito sensível entre os acadêmicos no que
tange à admissão para postos universitários. No entanto, a ascensão
no uso do título "doutor" é fenômeno relativamente recente nos
Estados Unidos. Os acadêmicos
norte-americanos raramente se
designavam "doutores" quando
cheguei ao país como aluno de pós-graduação, na metade dos anos 60.
Em Princeton, usar o título não era
de bom tom, e os professores eram
chamados de "senhor", e não de
"doutor" (na época, evidentemente, havia muito poucos professores
que eram "senhoras" em lugar de
"senhores", mas essa já é outra
história).
Hoje, o título "doutor" vem sendo usado de maneira mais ampla
nos EUA. Foi o "Dr." Kissinger,
nascido na Alemanha, que ditou o
tom, seguido pela "Dra." Albright e
agora pela "Dra." Rice. Todos esses
secretários de Estado portaram o
título "professor" em suas carreiras pregressas, mas "professor" é
um título que não cai bem junto ao
público norte-americano, sempre
desconfiado dos intelectuais que
trabalham em universidades.
"Doutor" soa melhor.
O caso do Instituto Max Planck,
no entanto, abre um caminho interessante para os defensores dos direitos humanos que há muito procuram maneiras de fazer com que
Henry Kissinger preste contas. Da
próxima vez que Kissinger visitar a
Alemanha, o Estado da Turíngia
pode propor acusações criminais
por sua prolongada temeridade em
invocar um Ph.D pela Universidade Harvard como justificativa para
o uso do título "doutor".
KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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