São Paulo, quinta-feira, 03 de abril de 2008

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KENNETH MAXWELL

Doutores

NAS DUAS ÚLTIMAS semanas, surgiu um acirrado debate sobre quem pode e quem não pode usar o título "doutor". A disputa não se refere ao tradicional uso de "doutor" para designar os médicos. Ela se refere aos doutores Ph.D em outras disciplinas acadêmicas e se eles podem, ou se devem, se fazer chamar de "doutores".
A controvérsia começou quando diversos distintos pesquisadores norte-americanos com doutorados por universidades como Cornell, Texas e CalTech, recrutados pelo prestigioso Instituto Max Planck, da Alemanha, se tornaram alvo de acusações criminais, a pedido do Ministério da Educação do Estado da Turíngia, por usarem o título "doutor", algo a que não teriam direito sob as leis da Alemanha. Caso condenados, eles poderiam passar até um ano na cadeia. Uma lei nazista de 1939 restringe o uso do título "doutor" apenas aos alemães.
A lei foi atualizada em 2001 a fim de estender os privilégios de ser "doutor" na Alemanha aos outros cidadãos da União Européia; mas não aos norte-americanos, brasileiros ou japoneses, cujos doutorados continuam a não ser reconhecidos na Alemanha.
Trata-se de assunto muito sensível entre os acadêmicos no que tange à admissão para postos universitários. No entanto, a ascensão no uso do título "doutor" é fenômeno relativamente recente nos Estados Unidos. Os acadêmicos norte-americanos raramente se designavam "doutores" quando cheguei ao país como aluno de pós-graduação, na metade dos anos 60.
Em Princeton, usar o título não era de bom tom, e os professores eram chamados de "senhor", e não de "doutor" (na época, evidentemente, havia muito poucos professores que eram "senhoras" em lugar de "senhores", mas essa já é outra história).
Hoje, o título "doutor" vem sendo usado de maneira mais ampla nos EUA. Foi o "Dr." Kissinger, nascido na Alemanha, que ditou o tom, seguido pela "Dra." Albright e agora pela "Dra." Rice. Todos esses secretários de Estado portaram o título "professor" em suas carreiras pregressas, mas "professor" é um título que não cai bem junto ao público norte-americano, sempre desconfiado dos intelectuais que trabalham em universidades. "Doutor" soa melhor.
O caso do Instituto Max Planck, no entanto, abre um caminho interessante para os defensores dos direitos humanos que há muito procuram maneiras de fazer com que Henry Kissinger preste contas. Da próxima vez que Kissinger visitar a Alemanha, o Estado da Turíngia pode propor acusações criminais por sua prolongada temeridade em invocar um Ph.D pela Universidade Harvard como justificativa para o uso do título "doutor".


KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Tradução de PAULO MIGLIACCI


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